sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

A Violência Nossa de Todos os Dias

     O entendimento do fenômeno da violência é fundamental para a sua resolução. Ao longo dos últimos séculos a expansão do sistema do capital redefiniu as questões sociais e apresentou aspectos muito mais complexos e desumanos do desenvolvimento político e econômico existente. Em outras palavras, embora a violência não tenha nascido com o capitalismo é ele que vem moldando a sua configuração atual. 
     Refletir sobre as diferentes manifestações da violência, seja ela física, psicológica ou simbólica, exige uma sistematização do olhar para uma melhor racionalização das ações direcionadas para a compreensão e a intervenção no fenômeno. Neste sentido, observa-se a existência de quatro elementos fundamentais para a análise, pois estão em maior ou menor grau diretamente relacionados com os problemas contemporâneos.
      Em primeiro lugar, é preciso explicitar que a violência ocorre dentro de um recorte de tempo e espaço, logo a compreensão do contexto social é fundamental. No caso de Foz do Iguaçu, os desequilíbrios políticos, econômicos e jurídicos existentes nos países que compõem a região de confluência das três fronteiras (Brasil, Argentina e Paraguai) é determinante nos fluxos de pessoas, capitais e mercadorias, fomentando um espaço adequado para diferentes práticas sociais, inclusive ilegais.
     As diferenças entre os países fronteiriços, somadas as fragilidades nos processos de fiscalização justificam os índices de violência que ocorrem em diferentes fronteiras da América Latina, não exclusivamente aqueles ocorridos em Foz do Iguaçu. As taxas de homicídios ocorridos nos limites de países como a Colômbia, o México e El Salvador denunciam isso com muita facilidade.
    Um segundo aspecto, diz respeito ao papel que as desigualdades sociais têm na construção das situações onde a violência ocorre. Como vem define Cardin (2011), as práticas sociais são pontos de intersecção entre os contextos sociais e as trajetórias de vida dos sujeitos. No cotidiano as possibilidades de ação dos sujeitos são limitadas as condições onde o ser social está inserido, quanto maior as restrições menos escolhas são possíveis.
       Logo, as necessidades vivenciadas na realidade social limitam o espaço de manobra onde os sujeitos transitam e definem suas práticas. Em outras palavras, de modo bastante geral, a pobreza oferece instrumentos para ações que são limitados pelas condições concretas. Uma rápida análise da distribuição geográfica da violência em Foz do Iguaçu denúncia que os homicídios ocorrem no sentido centrífugo, acompanhamento o aumento dos índices referentes ao trabalho informal e também a diminuição da renda familiar.
     O terceiro aspecto diz respeito à atuação do Estado. Nos últimos anos a atuação governamental vem sendo gerenciada em três sentidos específicos. Ao mesmo tempo em que o governo vem tentando construir uma política de renda mínima para garantir a circulação de capital e a educação para o consumo entre as gerações de baixa renda, ele também vem ampliando os canais de escolarização por meio da universalização gradativa do ensino e criminalizando qualquer prática alternativa de sobrevivência (Cardin, 2011).
       O objetivo é enquadrar as práticas sociais dentro daquilo que é aceito pelo mercado e, neste percurso, as ações governamentais vem restringindo cada vez mais as possibilidades de ação da população pobre, forçando-a a buscar, dentro do assistencialismo mercantil do estado, possibilidades de sobrevivência e qualificação. Em outros termos, a política governamental não atinge as contradições do capital, ela tenta simplesmente atenuar a força centrífuga denunciada a instantes. 
      Por fim, um quarto elemento que não pode ser negado. O processo de reestruturação produtiva, de globalização, de avanços dos sistemas de transporte e de comunicação, foi acompanhado de mudanças nos processos de socialização. A velocidade imposta pelo mundo do trabalho e da economia foi assimilada pelo mundo da vida, do cotidiano. O ser construtor perdeu espaço para o ser consumidor, as relações se tornaram efêmeras, temporárias.
     Assim, as relações sociais não são construídas, consolidadas, conquistadas, mas negociadas em um mercado. Tudo demora o tempo da paixão, do desejo e acaba com a satisfação, com o desencanto. A situação apresentada alimenta o desinteresse, o uso interesseiro do mundo e a pouca preocupação humana. A experiência de viver junto e de construir junto a cada dia perde um pouco mais do espaço para as possibilidades do prazer momentâneo.
    A violência contemporânea é o resultado da soma destes elementos. Restrições econômicas que se encontram com políticas governamentais paliativas em um contexto de transformação, mutação e fluidez. Os esforços em intervir na violência não devem ser concentrados nas políticas repressivas, mas em uma intervenção sistemática nos elementos causadores das questões sociais, as contradições estruturantes do capital.

Referência.
CARDIN, Eric Gustavo. A Expansão do Capital e as Dinâmicas da Fronteira. Tese (Doutorado em Sociologia). Araraquara: UNESP, 2011.

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