Entrevista com Dr. Jose Elias Aiex Neto
Nascido em Sertanópolis, estado do Paraná, em 11 de abril de 1952, graduou-se em Medicina em 1975 pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Paraná. Presidiu a Sociedade Paranaense de Psiquiatria e a Associação Médica do Paraná. Foi Secretário Municipal de Saúde e Secretário Municipal Antidrogas de Foz do Iguaçu. Membro do Centro de Direitos Humanos e Memória Popular de Foz do Iguaçu.
1 - Como os brasiguaios são tratados nos hospitais do município? Existe algum investimento para atender estas pessoas?
Os brasiguaios deveriam ser tratados no Paraguai, pois geram riquezas naquele país. Podem parecer desumanidade tais afirmações, no entanto nós nunca iremos ter um sistema de saúde que atenda bem a população de Foz do Iguaçu enquanto tivermos que atender os brasiguaios. A base para qualquer plano de saúde é constituída por dois indicadores: número de pessoas a serem atendidas e perfil epidemiológico de tal contingente populacional. Isso significa que o planejador de saúde tem que saber de quem ele vai ter que cuidar e quais são os problemas de saúde mais comuns que tais pessoas apresentam. Em função de tais dados ele pode montar a estrutura de atendimento. Se não sabemos quantas pessoas virão de fora e nem quais os problemas de saúde que elas apresentam, é impossível se construir um plano adequado. Os “brasileiros bonzinhos”, que aumentaram o valor pago pela energia elétrica de Itaipu que compramos de “los hermanos”, não foram capazes de exigir que o Paraguai estruture um sistema público de saúde eficiente e eficaz. E nós vamos continuar pagando o preço de não termos uma política de saúde adequada para os iguaçuenses. Qualquer pessoa, seja brasiguaio, japonês, americano, árabe ou russo, que esteja visitando nossa cidade, deve ter atendimento garantido nas unidades de saúde do município, quando tiverem um quadro de urgência ou emergência. Tratamento eletivo, aquele que demanda acompanhamento médico periódico, tem que ser prestado no local onde a pessoa mora. Os pioneiros de Foz do Iguaçu foram buscar médicos para cuidar da saúde deles e construíram a Santa Casa com seus recursos pessoais, para ter um atendimento digno. Os brasiguaios devem lutar para que o país onde moram e produzem riquezas, lhes garanta assistência adequada em saúde.
2 - Quais as principais irregularidades encontradas na saúde pública do município de Foz do Iguaçu e quais medidas deveriam ser tomadas para reverter tal quadro?
A grande irregularidade é o péssimo gerenciamento dela. Para mudar isso só mudando os dirigentes, o que depende de eleições. Não acredito que haja alguma mudança até o final do mandato do atual prefeito.
3 - Os recursos investidos na Saúde em nosso município são bem empregados? Existe uma política de planejamento deste dinheiro? A quantia que é investida é suficiente para as demandas sociais?
Estamos jogando dinheiro público pelo ralo na área de saúde. Gastamos mais de 130 milhões de reais por ano e a doença continua sendo a tônica da saúde. A quantidade de dinheiro gasto seria suficiente se houvesse planejamento e bom gerenciamento, o que não existe no SUS municipal. Os nossos gestores não sabem nada de administração, a começar pelo prefeito municipal, que desconhece o que é planejamento. Ele faz as coisas de acordo com sua vontade e seu humor, que é o de uma pessoa megalomaníaca, centralizadora e arrogante. Ele acha que entende de saúde, sendo que não é capaz de respeitar os sentimentos das pessoas. Deveríamos ter um Plano Municipal de Saúde, que seria o norteador das ações. Procure pelo mesmo e você não vai encontrar. Veja o absurdo: gastamos uma verdadeira fortuna e não temos um plano para nos orientar a respeito de tais gastos.
4 - Existe terceirização de serviços na Saúde de Foz do Iguaçu? A terceirização traz algum tipo de beneficio? Como o senhor avalia isso?
Existem várias. A mais escandalosa delas é a do Hospital Municipal. A própria concepção do SUS previa a realização dos trabalhos apenas pela estrutura pública, pois é preciso se construir uma estrutura que não sofra solução de continuidade dentro do sistema. A alternância de gestores e trabalhadores na saúde é danos, na medida em que não proporciona um acumulado de experiências, o que é fundamental para a boa gestão nesta área.
5 - Nesse sistema onde vivemos, os trabalhadores são expostos a uma carga de trabalho intensa, além das pressões que visam o cumprimento de metas, gerando um desgaste físico e mental. Quais as doenças que este trabalhador estará exposto, e qual é a maneira encontrada pela medicina para tratar de um problema onde a causa continuará existindo?
A patologia mais comum que o trabalho está provocando hoje é o estresse crônico, que pode levar à depressão. A organização do trabalho, com a adoção de medidas como produtividade, está comprometendo a saúde de muitas pessoas. A medicina apenas alivia o sofrimento deles, pois a causa continuará existindo, como a pergunta mesmo assinalou. Temos que desenvolver uma política de prevenção na área da saúde do trabalhador.
6 - Em relação aos usuários de drogas, quais os motivos que levam uma pessoa a se tornar dependente?
As pessoas começam a usar drogas porque elas estão aí, a disposição de quem quiser. Alguns acabam se tornando dependentes, outros não. Os que acabam se tornando dependentes geralmente o ficam em função de características pessoais e familiares. Cada caso é um caso. É impossível generalizar, nesta área.
7 - Existe algum programa de prevenção contra as drogas no município, Ele é eficiente? Quais os pontos fortes e fracos deste programa?
Não existe um programa sistemático de prevenção de drogas em nosso município.
8 - Como deve ser a relação do médico com o paciente em uma consulta e como é essa relação nos postos e hospitais de Foz do Iguaçu?
A relação entre médico e paciente deve ser pautada pelo respeito mútuo. O médico deve ter condições para avaliar o paciente, dentro do roteiro que aprendemos na faculdade de medicina. A consulta médica deve ter uma sequência, que se inicia pelo conhecimento do ser humano que está em nossa frente. Temos que saber que o senhor Pedro (por exemplo), tem tantos anos, é casado, trabalha em que atividade, mora em que condições, faz uso de que tipo comida e bebida, tem que tipo de relações sociais, etc. a partir daí você tem que perguntar qual é a queixa principal dele. Depois você tem que fazer um histórico de quando começou tal queixa, em circunstâncias ela apareceu e em que circunstâncias ela piora. Depois você tem que perguntar sobre outras patologias que porventura o paciente já teve antes, bem como se em sua família existiram casos semelhantes. Finalmente, você tem que examinar o paciente.
Nas unidades de saúde do município de Foz do Iguaçu os médicos muitas vezes nem olham para o paciente e as consultas duram menos de cinco minutos. Será que é possível avaliar bem um paciente dentro de tal realidade?
9 - O que vem a ser a chamada medicina humanizadora?
Na verdade, a medicina é uma profissão que tem que ser exercida com humanismo. Chamar de medicina humanizadora é redundância. O grande problema é que a medicina se desumanizou em função da mercantilização que tomou conta dela. Temos que resgatar o humanismo, que é próprio da atuação do médico. Assim, a medicina não tem que mudar. O que tem que mudar são os médicos, que deveriam saber que quando escolheram tal profissão se comprometeram com a missão de cuidar do ser humano com desvelo e carinho.
10 - Existem em nossa rede municipal médicos que receitam medicamentos de forma inadequada ao paciente? Por que isso acontece? Existe alguma forma de fiscalização?
Na área de saúde mental isso é feito rotineiramente. Os médicos clínicos receitam calmantes e antidepressivos sem nenhum critério, sendo que isso pode causar efeitos deletérios de todo ordem, inclusive com o risco de suicídio.
11 - Existem interesses particulares ou partidários por trás do sistema de saúde pública em nosso município?
Muitos. Os interesses são financeiros, ou seja, ganhar dinheiro através da doença. Além deles, o interesse político, de usar o direito do cidadão como se fosse favor. Tipo assim: “olha, você está conseguindo tal atendimento porque o vereador fulano de tal conseguiu para você”. Usa-se o direito de cidadania como se fosse uma esmola que é dada porque o político é bonzinho, sendo que a cobrança será feita nas eleições.
12 - Qual a função do Conselho Municipal da Saúde?
O COMUS é a instância de deliberação da política de saúde do município. Veja bem, ele tem caráter deliberativo, definido por lei. Isso significa que o prefeito tem que submeter a sua proposta de governo para aprovação do Conselho.
13 - Quando um paciente não se sente satisfeito com o tratamento recebido por parte dos médicos, ele possui alguma ferramenta para poder realizar uma reclamação?
Ele pode procurar o Conselho Municipal de saúde, onde poderá inclusive falar para o plenário a respeito do mau atendimento.
14 - Qual o papel fundamental do Secretário de Saúde?
Ele é o responsável pela saúde dos habitantes do município, ocupando o cargo que o prefeito lhe outorgou.
15 - Na sexta-feira [03/06], houve a XI Conferência Municipal da Saúde, onde foi debatido sobre a saúde do município e a eleição dos delegados para ocupar uma cadeira no Conselho Municipal da Saúde. O senhor como usuário e trabalhador da saúde de Foz do Iguaçu, poderia fazer um resumo de como foi essa conferência.
As Conferências de saúde refletem como está a política do setor no município. Ela é caótica, com o não cumprimento de horários previstos e discussões estéreis, típicas de que coletivos que não sabem bem o caminho que deve ser seguido. Esta é a situação da saúde do município de Foz do Iguaçu hoje. A lógica que é seguida é aquela: “em casa que falta pão, todos reclamam, e todos tem razão”. O pão que falta para a saúde pública de Foz do Iguaçu é gerenciamento adequado.