terça-feira, 16 de agosto de 2011

JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO E A LUTA POR VERDADE E JUSTIÇA EM FOZ DO IGUAÇU


Em 2007, iniciou-se um debate no Brasil sobre o tema da “Justiça de Transição”, conceito aplicado pelo Conselho de Segurança da ONU que reúne quatro práticas para lidar com o legado deixado por regimes de exceção. São elas: a reforma das instituições para a democracia, o direito à memória e à verdade, o direito à reparação e o adequado tratamento jurídico aos crimes cometidos no passado.

O que se debate hoje no País é que tortura e desaparecimento forçado são crimes de lesa-humanidade, imprescritíveis. Não podem ser objeto de anistia ou autoanistia. A Lei de Anistia brasileira, promulgada em 1979 (ou seja, ainda sob a égide do regime militar, existente entre 1964 e 1985), impune ao mesmo tempo as vítimas da ditadura e os responsáveis pelos crimes de tortura e desaparecimento forçado.

O Brasil é o único país da América Latina que ainda não julgou criminalmente quem torturou e matou. Ao longo de 21 anos de regime autoritário, vicejou aqui um sistema repressivo estimado em 24 mil agentes que, devido a razões políticas, prendeu cerca de 50 mil brasileiros e torturou algo em torno de 20 mil pessoas (uma média de três torturas a cada dia de ditadura), revela a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.

Somente com o desgaste cada vez maior da ditadura, e o movimento desencadeado pelos Comitês Brasileiros de Anistia é que o general João Batista Figueiredo promulgou a Lei de Anistia em 28 de agosto de 1979. Porém, essa lei que concedeu anistia aos opositores do regime, também anistiou os agentes da ditadura que prenderam, torturaram, mataram e ocultaram cadáveres. Com isso ficou decretado que não seriam investigadas as violações aos direitos humanos cometidas ao longo do regime totalitário.
Essa autoanistia promulgada pela ditadura trouxe prejuízos ao processo da justiça de transição e a obtenção de uma “verdade histórica” referente aos fatos ocorridos durante o regime de exceção e a construção de um regime com princípios e valores democráticos.

Entre as normas fundamentais para a concretização da Justiça de Transição estão as que devem contribuir para o esclarecimento da verdade sobre as violações praticadas durante o período ditatorial. Ao mesmo tempo, outros fundamentos da Justiça de Transição devem ajudar na construção de parâmetros para a reforma das instituições que cuidam da justiça e da segurança pública e, finalmente devem incentivar políticas públicas de educação para a memória, com o objetivo de conscientizar a “cultura do nunca mais”.

Vale salientar que o regime que sucedeu à ditadura está longe de ter princípios e valores democráticos. Por não ter posto em prática nos anos 80 a Justiça de Transição a sociedade brasileira caminha a passos lentos na construção de um País com princípios e valores democráticos, visto além do institucional, com preceitos humanísticos nas relações entre o Estado e a população. Ainda perdura entre nós a criminalização da pobreza e dos movimentos sociais, a descriminalização e o preconceito em vários sentidos, a ação policial pautada pela cultura do “pau-de-arara”, a abordagem policial estilo brucutu e a execução sumária praticada pelas polícias e justificadas nos boletins na forma de auto de resistência.

A violência policial no Brasil é reflexo da ineficiência do processo de transição. Segundo especialistas, entre os quais Juan Faroppa, consultor da Corte Interamericana de Direitos Humanos, “as forças policiais têm uma missão insubstituível para o funcionamento do sistema democrático”. Faroppa ressalta a existência de policias militares no Brasil como resquício do regime militar. A letalidade da polícia brasileira também assusta.

Essas violações foram herdadas do período ditatorial, quando membros da oposição foram assassinados na tortura e os agentes da repressão política faziam constar nos boletins que os mesmos haviam resistido à prisão. As violações aos direitos humanos na atualidade é conseqüência de uma democratização não resolvida, onde os criminosos de ontem são homenageados com nomes de ruas, praças, escolas e outros espaços públicos. Justiça de Transição é rever e reescrever, trazendo à luz os crimes de ontem, condenando os criminosos de ontem, para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça.

Aqui em Foz do Iguaçu um grupo composto por pessoas conscientes dessa situação tomou a iniciativa de colocar essa discussão na ordem do dia. O coletivo, sob iniciativa do Centro de Direitos Humanos e Memória Popular (CDHMP), reúne militantes sociais, universitários, estudantes do ensino médio, sindicalistas, entre outros ativistas contrários ao esquecimento das crimes contra a humanidade.

Para tanto, este grupo está organizando uma série de atos públicos, entre os quais um dia de protesto às homenagens prestadas aos criminosos de ontem em nossa cidade. Vamos dizer em alto e bom som que o marechal Castelo Branco, o general Costa e Silva e o general Costa Cavalcanti, violentaram os direitos fundamentais da pessoa humana.

O município também produziu seus personagens durante a ditadura militar, entre eles o coronel Clóvis Cunha Vianna. O coronel foi prefeito nomeado de Foz do Iguaçu durante longos nove anos. Durante quase uma década à frente da prefeitura, foi alvo de denuncias de corrupção e de violação de direitos políticos.

As jornadas que irão culminar com a ação de protesto contra a nominação de espaços públicos homenageando os criminosos de ontem é um esforço iguaçuense de um construir permanente de uma sociedade democrática, onde os direitos humanos sejam respeitados em sua plenitude.

Foz do Iguaçu, 15 de agosto de 2011.

  Facebook: Tortura Nunca Mais Foz

Twitter: @torturanmfoz


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