Federação Anarquista do Rio de Janeiro
Após a tomada de uma casa que servia a traficantes na Vila Cruzeiro (favela da cidade do Rio), um policial foi perguntado sobre qual seria o destino do imóvel. A resposta foi que – como símbolo do que está acontecendo na comunidade – ali passaria a funcionar um batalhão da PM. Realmente tal “mudança” na função do imóvel é bastante emblemática do que ocorre hoje na vida da população de favela. Onde antes existam homens armados intimidando o povo, agora haverá... homens armados intimidando o povo, só que uniformizados e remunerados pelos cofres públicos. A população está passando a ser oprimida pelos ditadores fardados e não mais pelos já conhecidos varejistas da droga.
Na quinta-feira, 25 de novembro de 2010, uma ação que reuniu três mil policiais e militares das Forças Armadas ocupou simultaneamente as comunidades de Vila Cruzeiro (uma das 10 favelas do complexo da Penha) e o Complexo do Alemão ( formado por 12 favelas), ambas na capital fluminense. Na região vivem mais de 400 mil pessoas. E qual o perfil desse povo? Será que o que ele está precisando é de mais armamento e truculência estatal? Quais são suas demandas?
Bem, o Complexo do Alemão é considerado, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o bairro dono dos piores Índices de Desenvolvimento Social (IDS) do Rio de Janeiro. Calculado ainda que pelo suspeito Instituto Pereira Passos (IPP), o índice leva em consideração o acesso da população ao saneamento básico, à habitação, à escola e ao mercado de trabalho. Segundo os dados, nas 12 comunidades do maior complexo de favelas da cidade, 15% das residências não contam com rede de esgoto; 36,43% dos chefes de família têm menos de quatro anos de estudo; um em cada 11 moradores com mais de 15 anos de idade é analfabeto; na faixa etária entre 15 e 17 anos, 11,37% das meninas já são mães; 60,55% dos trabalhadores ganham, no máximo, dois salários mínimos; na faixa etária dos 15 aos 17 anos, 27,83% dos jovens não freqüentam a escola.
Mesmo assim, as ações que vemos por parte do governo em nada se voltam para a reversão desse quadro calamitoso. Pelo contrário, os sucessivos governos roubam e espancam camelôs através da Guarda Municipal; reprimem os sem-terra, favorecendo assim o êxodo rural e o aumento de favelas... O mesmo Estado que diz querer resolver o problema das favelas ataca o movimento sem-teto, fazendo, com isso, que famílias deixem de viver de maneira comunitária e harmônica em ocupações e sejam obrigadas a residir em morros labirínticos, facilmente domináveis por traficantes e milícias opressoras. A verdade é que o Estado não quer resolver o problema das comunidades carentes, mas sim favorecer grandes comerciantes, latifundiários e a especulação imobiliária.
O curioso é que alguns políticos, mesmo aqueles que se notabilizam pela defesa de políticas humanitárias, não têm feito muito para impedir a ascensão de um Estado policialesco. É o caso do deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL-RJ) - aliás estrela, na pele do personagem "Fraga", do comemoradíssimo "Tropa de Elite 2", do não menos "comemorado" liberal José Padilha - que pregou em seu recente discurso na ALERJ: mais recursos públicos para a PM, mais armamentos, mais "inteligência" e maiores salários para os policiais. Assim, a julgar pelo discurso de Freixo, em que pese algumas outras sugestões previstas em um contexto de “estado de direito”, este prescreve medidas no sentido do aperfeiçoamento das principais instituições repressivas (polícias, exércitos etc.), nas suas funções de defesa da propriedade privada e da legalidade burguesa. Dentro da perspectiva capitalista, essas são propostas coerentes, mas querer chamar isso de Socialismo é clara hipocrisia.
Hipocrisia também é o que podemos observar na maioria das coberturas que a imprensa tem feito ultimamente. A mídia burguesa brasileira (Rede Globo, SBT, Record e outras porcarias) têm transformado a cobertura das incursões policiais em verdadeiros shows, onde o sensacionalismo e a bajulação do governo e suas polícias marcam forte presença. Só que, para boa parte dos moradores das favelas cariocas, as invasões policiais nas comunidades pouco têm de heróico, bonito ou glamouroso.
Em entrevista ao jornal Correio Brasiliense, o representante de vendas Ronai Braga, de 32 anos, morador da Vila Cruzeiro, denunciou a invasão de sua casa por policiais, que destruíram móveis e eletrodomésticos e roubaram cerca de 30 mil reais. O dinheiro era fruto de uma rescisão trabalhista e seria usado para comprar um imóvel, contou Ronai. No geral, a imprensa está criando um “oba-oba geral” em torno da suposta “derrota do crime organizado”. Mas devemos ter um olhar mais atento sobre essa questão. Afinal, basta ver qual tipo de pessoa está sendo presa para notarmos algo de errado nessa história toda. Os presos – basta observar – são todos favelados negros e pardos. Ora, o crime organizado é aquele que permeia o aparelho estatal, tem ramificações internacionais, conta com representantes em parlamentos pelo mundo a fora, elege e derruba governos nacionais, ou seja: é obra de gente da elite.
Os que estão sendo presos hoje no Rio são só pequenos varejistas das drogas ou, no máximo, “micro-empresários” dos entorpecentes, que têm seguido a lógica “empreendedora” (leia-se individualista e não-solidária) propagada pela própria ideologia capitalista defendida pela imprensa brasileira.
Um outro aspecto conjuntural, aquele que nos remete a importância do Rio de Janeiro para os eventos de 2014 e 2016, Copa do Mundo e Olimpíadas respectivamente, encontra na especulação imobiliária e nas obras de infra-estrutura para a capital do estado grande relevância. O projeto "Porto Maravilha", revitalização da área portuária do centro do Rio; os anéis viários, que já estão justificando a remoção de várias comunidades carentes na zona Oeste; assim como as ações orquestradas pelas obras do PAC, formam o conjunto de ações a compor o mosaico da fachada burguesa que deve substituir a cidade real, aquela formada pela imensa massa humana de explorados e oprimidos. E a guerra de classes, escamoteada pelo combate ao narcotráfico, na Vila Cruzeiro e no Complexo do Alemão, é apenas mais um sintoma.
Assim, no Capitalismo, as alternativas deixadas ao povo pobre, negro, oprimido, são mesmo bastante escassas. 122 anos após o término oficial da escravidão no Brasil, e 100 anos após a Revolta da Chibata, os negros e pardos ainda são imensa maioria nas favelas e prisões. Então nos cabe perguntar: que possibilidade de ascensão é essa que a “democracia” nos garante, com igualdade de oportunidades?
Historicamente o Capitalismo tem reservado o que há de pior para os trabalhadores, tanto mais quando estes podem ser identificados com o crime e a contravenção. O que se assiste no Rio de Janeiro hoje, para além do que aqui foi exposto, é a didática parceria entre a mídia, o “poder público” e o empresariado. Como em outros momentos, tal acordo sempre custou muito ao povo. No caso atual, com maior evidência, a contabilidade pode ser aferida em vidas humanas.
Fonte: www.farj.org
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