sábado, 15 de janeiro de 2011

Hoje é Sábado! Dia de Bate Papo!

Hoje apresentamos uma conversa interessantíssima com um dos mais importantes representantes da cena Hip-Hop de Foz do Iguaçu. Em meio a tanta correria Eliseu Pirocelli, mais conhecido como Mano Zeu se dispôs a nos ceder algumas palavras sobre o trabalho que desenvolve na periferia e na cena underground na região das três fronteiras. Nosso entrevistado fala sobre música, favela, arte, política e desigualdade como alguém que sabe do que esta falando...

1 – Antes de ter carreira solo você participou de outros grupos de rap na cidade. Gostaríamos que falasse um pouco de sua história no movimento hip hop de Foz.
Quando eu comecei com meu trabalho solo eu brinquei com alguns amigos dizendo que não era uma carreira solo e sim uma correria solo. Não gosto muito da palavra carreira e também não uso muito a palavra artista. Sempre digo que sou "arteiro" e que estou numa "correria solo". Acho que pelo fato da música ser pra mim mais uma ferramenta pra militância do que um trabalho, uma profissão. Eu comecei no hip-hop como ouvinte quando eu trabalhava como DJ de música eletrônica, tocava em danceterias e festas particulares. A minha primeira participação mais efetiva no movimento foi em 1999 quando formei junto com um amigo (Nenê) um grupo de rap chamado Aliados da Periferia no qual eu era DJ. Nesse grupo eu fiquei por quatro anos e em 2003 fui convidado a participar do grupo Conexão PB, já como MC (cantor de rap) e letrista. Nesse grupo eu fiquei até 2007, quando ingressei na correria solo. Eu sempre gostei de escrever músicas em parceria, mesmo nesse trabalho - que é mais pessoal - tem a participação de 13 pessoas, de diversas favelas de Foz do Iguaçu.
Em setembro do ano 2000 a gente criou um coletivo de Hip-Hop chamado Cartel do Rap para difundir o movimento Hip-Hop na Cidade. Foi através desse coletivo que desenvolvi a maioria das atividades do Hip-Hop na cidade. Começamos com o "Rap na Quebrada", com o intuito de levar os shows de Rap para as favelas e conseguimos passar por dezenas de quebradas de Foz. O Cartel organizou três coletâneas com músicas de grupos de rap de Foz e recentemente montou um estúdio comunitário: o Iô Comunitáriô, com o intuito de facilitar o acesso às gravações e divulgação das músicas dos grupos da cidade. Foi através do Cartel também que foram produzidas 58 edições de um fanzine, o qual era distribuído gratuitamente nas favelas. O Fanzine ficou na ativa por cinco anos divulgando os eventos, as atividades e a produção literária da galera das favelas de Foz. Eu tive a oportunidade de participar de tudo isso nesses 11 anos que estou no Movimento Hip-Hop.

2 – Quais são suas influências? O que você escuta atualmente?
Eu sempre gostei de música com conteúdo social. Antes do rap eu conheci o funk, antes do funk conheci o rock, antes do rock conheci o samba. Minha mãe tinha muito vinil de samba de morro em casa, Bezerra da Silva, Leci Brandão... Eu que nasci numa favela, me identificava com as letras que falavam dos morros e favelas. Mais pra frente tive acesso ao rock nacional, já na escola, com o envolvimento com a galera do grêmio estudantil que levavam bandas pra tocar no colégio. Nessa época eu ouvi muito Raul Seixas, Titãs, Paralamas, Lobão, e me identifiquei com a politização que trazia em suas músicas, embora eles não falassem muito de favela. Alguns anos depois tive acesso ao Funk do Rio de Janeiro. As músicas falavam de favela, mas de uma forma diferente do samba. E pelo instrumental ser mais simples, não tão musicado, a gente se prendia mais na letra da música. Depois do funk veio o Rap. Pra mim o rap conseguia unir um pouco de cada coisa que eu já tinha ouvido até ali, falava de favela e trazia a politização nas letras de uma forma que eu me indentifiquei muito.
Mas, como eu fui DJ por muito tempo, aprendi a escutar de tudo. Hoje eu escuto  Funk, Rap, Rock, Samba, Hardcore, Punk, Forró, Música Instrumental, Erudita, Moda de Viola, Reggae. A música que eu mais escuto não é Rap, eu escuto mais MPB da década de 70. Gosto de ouvir vinil antigo, dessa época. Eu gosto do underground, da música alternativa, não me identifico muito com as músicas feitas somente com intuito comercial.

3 – Como você escolhe seu repertório? Como é o processo de construção das suas músicas?
O repertório do show eu escolho de acordo com o formato do evento e do local que o show está sendo realizado. Um show na favela é diferente de um show no centro, assim como um show num salão fechado é diferente de um show na praça, ao ar livre. Uma festa para comemorar algo ou para se divertir é diferente de um evento de protesto, uma manifestação. Quando eu sou convidado para participar de um evento eu tento coletar o máximo de informações para poder preparar o repertório. Tipo: Quem tá organizando, essas pessoas trabalham com o quê, quais outras bandas e estilos vão tocar no evento, quanto tá o ingresso, o evento é beneficente, tem vínculo político-partidário... Tudo isso influi no repertório e no discurso.
Quando eu to parado eu não consigo escrever nada, só escrevo em movimento, no meio da correria do dia a dia, trabalhando, fazendo corre, participando de reuniões, de movimentos, aí as idéias brotam na minha mente e eu passo pro papel. Assim como o poeta cearense Patativa do Assaré que bolava seus versos enquanto pegava na enchada e derrubava seu suor na roça, no sol quente do nordeste. Sempre fui cabreiro com a divisão social do trabalho, acho que por isso nunca almejei viver profissionalmente da música. A música que mais gostei de escrever é a Fala Favela, eu escrevi ela enquanto cuidava da minha horta, no final o rascunho ficou todo sujo de barro. Escrevi várias músicas na época que eu trabalhava no Paraguai, num depósito, carregando caixas.  

4 – Sobre o que fala suas músicas?
As minhas músicas são embasadas na minha convivência social e das demais pessoas moradoras de favela. Não só as minhas músicas, mas praticamente todas as pessoas que cantam rap vão cantar aquilo que observa e vive no dia a dia, assim como o cronista. O jornalista Sérgio de Souza, quando fundou a revista Caros Amigos disse algo assim para os seus companheiros: "vamos escrever sobre o que nos incomoda e sobre o que nos alegra, não vamos escrever em vão". Então eu sempre escrevo sobre algo que mexe comigo, a desigualdade social, a concentração de renda e de terra nas mãos de poucos, as injustiças sociais, a corrupção na política, a violência policial, o monopólio dos meios de comunicação, a destruição do planeta pelo modo de produção capitalista, a criminalização da pobreza, o preconceito e a discriminação, as guerras, os genocídios, o assassinatos dos nossos jovens, a política que privilegia os ricos e mata os pobres, a política que prefere investir em armamentos ao invés de escolas e hospitais...  

5 – Como você observa a relação da arte com a política?
Eu vejo a arte como uma ferramenta política. Sempre ouvi dizer que a arte e a cultura salva, que faz isso e faz aquilo, mas eu acredito que a arte por si só não transforma o mundo. Quem tem que transformar o mundo é todo o conjunto da sociedade. Todos os trabalhadores, os músicos, os professores, as empregadas domésticas, catadores de recicláveis, trabalhadores da construção civil, arquitetos, advogados, desempregados, todo mundo. Mas a arte não pode ser neutra, tem que trazer uma reflexão a respeito de algo, de como somos e de como podemos ser. O Brasil é capitalista, mas ele pode ser socialista, pode ser anarquista. Isso depende de todo o conjunto da sociedade se mobilizar pra isso. Ninguém vai parar o pensamento coletivo, a vontade coletiva de mudança. Acredito que o artista (arteiro) deve ter na essência de sua arte o seu pensamento, sua impressão, sua proposta pessoal, para ser discutido pelo coletivo. A discussão e a construção devem ser coletivas.
Recentemente abriu-se uma grande discussão dentro do Movimento Hip-Hop a respeito da política partidária. Vários manos começaram a se envolver em partidos políticos e disputar eleições. Isso causou um colapso enorme dentro do movimento e acabou com vários coletivos de Hip-Hop. Em minha opinião o Hip-Hop é um movimento social e as candidaturas dos manos enfraquecem o movimento. Com o governo Lula a relação estado/movimento social ficou meio esquizofrênica. Os movimentos sociais sempre foram a voz do povo frente aos governos e com o Lula mudou para a voz do governo frente ao povo. Os sindicatos e movimentos passaram a sentar com o governo para negociar e isso amorteceu a luta. As letras de rap que criticavam os erros e equívocos de outros governos, se calaram frente aos equívocos do governo petista, com o argumento de que esse governo foi melhor do que os outros e que se batermos no Lula vamos estar fortalecendo o Serra e dando brecha pra direita voltar no poder. Alguns coletivos de Hip-Hop apoiaram a invasão do Haiti, pelas tropas da ONU comandadas pelo Brasil. Alguns manos do Hip-Hop estão trabalhando junto com o estado para legitimar as UPPs no Rio de Janeiro. Outros estão nos grandes meios de comunicação, com uma atitude totalmente passiva a todas atrocidades causada pela grande mídia burguesa e sem levar os anseios das comunidades pobres para esses veículos. Se calaram e tomaram uma atitude pelega para não prejudicar seus partidos políticos. Eu acredito no Hip-Hop primeiro como um movimento social de ideologia revolucionária e depois como um movimento cultural e artístico. Muito desse enfraquecimento ideológico se deve também à massificação que o Hip-Hop vem sofrendo por parte da indústria cultural que sempre agiu assim: massifica uma cultura que tem legitimidade e tira dela todo seu significado.

6 – Além de seu trabalho como músico, você tem um grande envolvimento com as comunidades de Foz e com a discussão dos direitos humanos na região. Gostaríamos que falasse um pouco deste seu aspecto militante, o que você desenvolve? Como?
Recentemente eu comecei a participar de algumas reuniões do CDH (Centro de Direitos Humanos e Memória Popular de Foz do Iguaçu). Com o Centro eu participei de um ato contra a violência em Foz, no Colégio Carmelita que relembrou a Chacina do Porto Belo; de um debate com funkeiros do Rio de Janeiro no Teatro Barracão; debate na Unioeste com Ivan Seixas, sobre o PNDH3 (Plano Nacional de Direitos Humanos), entre outras atividades.
Produzi recentemente junto com o Danilo Georges um documentário sobre Foz do Iguaçu e lançamos na Unioeste junto com um Debate (Tensões e Contradições da Cidade) onde trouxemos a Adriana Facina (Historiadora do Rio de Janeiro) para participar da mesa.
A minha maior militância sempre foi dentro do Movimento Hip-Hop. A gente sempre participou da organização da semana da Consciência Negra junto com o MONARF (Movimento Negro e Anti Racismo de Foz do Iguaçu). Já fizemos eventos de protesto contra a guerra do Iraque na época, contra as tropas da ONU no Haiti, já organizamos debates. Participamos da Conferência de Cultura e da Conferência de Comunicação. Desenvolvemos oficinas de Hip-Hop para a comunidade. Começamos com a produção de audio-visuais com a galera da favela. Recentemente começamos um projeto de Horta Comunitária no bairro Cidade Nova e temos a intenção de montar uma Biblioteca Comunitária ali também. 

7 - Como a situação de vivenciar as fronteiras internacionais influência sua produção musical? Ampliando, em sua opinião como as fronteiras com o Paraguai e a Argentina interferem na sua vida?
Influência bastante a produção musical. Na parte instrumental a gente percebe no Rap de Foz do Iguaçu elementos da música latino-americana. Na questão das letras a gente percebe até no idioma, como encontramos palavras em guarani e em espanhol. Acredito que os moradores das favelas de Foz tenham uma relação melhor com o Paraguai do que com a Argentina. Por conta de muitos brasileiros trabalharem em Ciudad del Este criaram maiores laços de amizades pela convivência cotidiana, enquanto na Argentina tem toda uma burocracia para ingressar até lá, para entrar de carro ou fazer compras. Eu trabalhei sete anos no Paraguai e morei lá por dois anos. Fiz identidade e imigração paraguaia. Eu me identifico muito com a cultura e o modo de vida de nuestros hermanos. Gosto da vida simples, de se reunir com a galera no quintal de casa, tomar tererê juntos conversando e ouvindo música. É um povo mais próximo, que preservaram suas raízes indígenas, um país que não está tão industrializado e "desenvolvido", mas que ainda encontramos rios de água limpinha onde as crianças se banham e se divertem. Que pena que o governo só pensou na integração comercial através do Mercosul e não na integração cultural das três fronteiras. Nossas fronteiras estão cada vez mais militarizadas e cada vez menos integradas.


8 – Para finalizar, quais são seus planos futuros?
Quero juntar uma galera para fazer um trabalho mais amplo dentro do Movimento. Até aqui o Hip-Hop de Foz focou muito suas atividades nos shows. Sempre esteve ligado ideologicamente aos demais movimentos sociais, mas não desenvolveram muitas atividades em parceria. Eu quero buscar uma aproximação maior com os movimentos de luta pela terra, luta pela moradia, direitos humanos, comunicadores populares, militantes da cultura em geral. O Hip-Hop tem que organizar mais debates, fóruns de discussão, cursos de formação, protestos, manifestações. Pretendo também fazer faculdade.







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2 comentários:

  1. Ótima entrevista, palavras de uma pessoa engajada e que possui uma boa leitura da realidade local.

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  2. Salve!Zeu
    Parabéns!

    Angélica

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