sábado, 29 de janeiro de 2011

Transporte Público: Um Problema de Todos os Brasileiros

Michelle Amaral

            Em entrevista concedia por e-mail ao Brasil de Fato, Daniel Guimarães Tertschitsch, militante do Movimento Passe Livre e integrante do Tarifa Zero, faz uma avaliação positiva das manifestações contra os reajustes das passagens de ônibus que ocorrem desde o início de janeiro. Cerca de 17 cidades tiveram suas passagens reajustadas e outras seis têm previsão de aumento.

            Movimentos estudantis e organizações sociais, como o Passe Livre, têm encabeçado protestos em várias cidades do país. Para Tertschitsch, isto demonstra que “este problema é um problema de classe, dos trabalhadores e trabalhadoras, excluídos e excluídas e de todo o Brasil”.

            “A exclusão pressiona as pessoas, dificulta suas vidas e, cedo ou tarde, testemunhamos e participamos de revoltas”, pondera o militante. Segundo ele, a diferença que vemos hoje é a de  há cada vez mais clareza sobre o sistema de transporte. “A questão do valor da tarifa é um mero início, o que deve ser questionado é a própria existência desta tarifa”, defende.

Confira entrevista abaixo:

            Qual o balanço que se pode fazer do movimento contra o aumento das passagens que ocorre neste mês em várias cidades do país?

            Positivo em vários aspectos. Em primeiro lugar, demonstra que o transporte público entrou de vez na lista de preocupações do povo e da esquerda brasileira. A necessidade de deslocamento não é mais um problema menor, entrou no centro das atenções. Como chegar ao trabalho, como chegar aos locais de ensino, como chegar aos locais de lazer, agora são questões fundamentais para resolvermos as desigualdades nas cidades brasileiras. E essas mobilizações, que nascem inicialmente contra aumentos nas tarifas de ônibus, abrem perspectivas para além desses valores percentuais dos aumentos. No começo dos anos 2000, a Revolta do Buzu de Salvador e a Campanha pelo Passe Livre de Florianópolis deram o ponto de partida para que aprofundássemos nossa compreensão sobre a verdadeira exclusão social que resulta do sistema de transporte coletivo que temos hoje. A faísca pode nascer da luta pelo passe livre para estudantes, ou contra um aumento de tarifa, ou contra cortes nos horários de linhas, mas logo se transforma no consenso de que o transporte público é um direito que deve ser oferecido para todos e todas sem a cobrança de tarifa. Outro ponto positivo dessas manifestações recentes é que demonstram que este problema é um problema de classe, dos trabalhadores e trabalhadoras, excluídos e excluídas e de todo o Brasil. Os atos estão acontecendo em cidades distantes umas das outras, por exemplo Porto Alegre e Aracaju, passando por várias organizações diferentes, apartidárias e partidárias, ou movimentos sociais que já carregam esta luta há mais tempo, como o Movimento Passe Livre.

            Um levantamento do Intituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que o gasto com transporte se iguala ao da alimentação e que o aumento das passagens faz com que 30% da população deixe de usar o serviço. Há perspectivas de mudança nesse quadro?

            Há perspectiva, sim, porque há vontade política de setores da população. Mas só por isso. A depender dos governos, não vejo saída. Quando Lula disse que “os que defendem investimentos em metrô e trens querem ‘que o pobre deixe a rua livre para eles’”, em março de 2010 no Complexo Petroquímico do Rio, senti que o caminho para reverter este quadro que o Ipea nos apresentou será o da pressão dos movimentos sociais, não podemos esperar nada de bandeja do Estado. O fato é que a indústria do automóvel exerce imenso poder na economia do país e os governos, mais ou menos progressistas, não desejam bater de frente. Os governos não encaram o transporte coletivo como um direito, e sim como uma forma de escoar pessoas. Some a isso o poder das montadoras e o cenário é explosivo. Mas quando o transporte passa a ser tão caro quanto comer, o povo reage. A exclusão pressiona as pessoas, dificulta suas vidas e, cedo ou tarde, testemunhamos e participamos de revoltas.  A diferença é que há cada vez mais clareza sobre o sistema de transporte. A questão do valor da tarifa é um mero início, o que deve ser questionado é a própria existência desta tarifa.


            Em São Paulo, a manifestação desta quinta-feria (27) resultou na promessa de uma audiência pública na Câmara com vereadores e o secretário municipal de transportes. O que isto significa para o movimento?

            A forma como a PM tratou os manifestantes no primeiro ato, com violência gratuita, balas de borracha, spray de pimenta e bombas de gás, fez crescer as manifestações seguintes. De mil pessoas, os atos passaram a contar com 4 mil. Quem sabe na próxima serão 5, 10 mil? Quando você está ao lado de milhares de pessoas, não há nada além de otimismo. Isso em si é muito pedagógico, demonstra que, coletivamente, se pode conquistar coisas. Ir para a Câmara e conseguir esta promessa de uma audiência foi importante porque significa um passo à frente para a luta. É importante combinar a espontaneidade da luta nas ruas com a conquista em si. Não que uma audiência signifique que a tarifa irá retornar ao patamar anterior, mas é sinal de que o movimento deseja garantir que sua reivindicação seja alcançada e não que o desejo é apenas protestar contra. Imagine a força que o movimento terá quando for novamente à Câmara, com milhares de pessoas, para dizer: “Agora queremos mudar o sistema de transporte, estamos organizados e queremos ver estas mudanças acontecendo na prática”.

            Está sendo realizado hoje o tuitaço contra o aumento. Na luta contra o reajuste das passagens qual tem sido o papel das redes sociais?

            As redes sociais são mesmo uma espécie de espaço público, hoje. Há quem diga que antes vivíamos no campo, depois nas cidades e, agora, online. Esta frase é um grande exagero, ainda bem, mas é inegável que a internet nos proporciona esta facilidade de organização e comunicação. Enquanto acontecia o tuitaço, fiquei sabendo de cidades que contavam com mobilizações que não tínhamos conhecimento algum. Vejo estas redes sociais como um complemento ao bom e velho cartaz e panfleto de rua. Só que nesse caso, aqui de Floripa (SC), eu pude “entregar panfletos” para pessoas até de Roraima.

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