domingo, 10 de outubro de 2010

Hoje é Domingo! Dia de Bate Papo!

 Entrevista com o Professor Lindomar

 José Lindomar Coelho Albuquerque, possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Ceará (1997), mestrado em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (2000) e doutorado em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (2005). Participou do programa de pós-doutorado do CEBRAP. Atualmente é professor adjunto de Sociologia do curso de Ciências Sociais, da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Tem experiência na área de Sociologia, com ênfase em Sociologia Política, atuando principalmente nos seguintes temas: empresários, estado, migração, identidade, nação e fronteiras.

Professor, como ocorreu seu processo de aproximação com a realidade da fronteira do Brasil com o Paraguai e mais especificamente com a discussão dos brasiguaios?
Começou em 2002, estava no primeiro ano do Doutorado em Sociologia na Universidade Federal do Ceará (UFC). Tinha entrado no doutorado para pesquisar outro tema bastante diferente, os institutos e fundações privadas no interior das universidades públicas. Entretanto, no primeiro semestre de 2002 cursei uma disciplina sobre a Construção das Nacionalidades, com o professor Manoel Domingos. A partir das reflexões teóricas sobre as nações modernas e seus processos de invenção e imaginação, comecei a pensar num estudo situado em alguma região de fronteira entre o Brasil e um país vizinho. Tinha interesse em fazer um estudo que envolvesse os conflitos geopolíticos em torno da construção de Itaipu, já tinha feito algumas leituras sobre este assunto. No segundo semestre de 2002, organizei e realizei uma viagem para conhecer Itaipu,  Foz do Iguaçu e Ciudad del Este. Nesta primeira visita, o que mais me impressionou não foi Itaipu, mas justamente o comércio e a multidão de pessoas em Ciudad Del Este. Muito empolgado, queria fazer um trabalho sobre a sociedade paraguaia. A temática específica dos brasiguaios apareceu um pouco por acaso. Antes de voltar para Fortaleza, fiz uma viagem de ônibus para conhecer Curitiba, nesta viagem sentou ao meu lado um senhor que vivia já a bastante tempo no Paraguai e durante toda a viagem fomos conversando sobre sua experiência de vida no país vizinho. Voltando para a Fortaleza, decidi então fazer minha tese sobre os brasiguaios. Voltei a fronteira nos anos seguintes (alguns meses de 2003, 2004 e 2005) para realizar minha pesquisa de campo, especialmente nas cidades de Santa Rita e San Alberto, no departamento de Alto Paraná.

Em linhas gerais, quais são os principais fatores do processo migratório dos trabalhadores rurais do Brasil para o Paraguai?
Os processos migratórios são sempre dinâmicos e com profundas variações no tempo e no espaço. Nunca podemos achar que um determinado fator econômico ou geopolítico explica a lógica de um amplo movimento de pessoas como foi o caso da grande travessia de brasileiros para a região leste do Paraguai na segunda metade do século XX e primeira década do século XXI. Como são inesgotáveis os motivos e as intenções individuais daqueles brasileiros que foram viver no Paraguai, o que gostaria de acentuar são alguns fatores econômicos, sociais e políticos que explicam em parte esta grande diáspora: 1) a questão da concentração da propriedade da terra nos estados do sul do Brasil com o desenvolvimento e mecanização do capitalismo no campo e a expulsão de muitos tipos de trabalhadores rurais (diaristas, agregados, pequenos produtores e outros); 2) a facilidade de compras de terra do lado paraguaio (especialmente o preço da terra e tributos mais baratos), facilitada pela política de colonização da região leste implementada pelo ditador Alfredo Stroessner;  3) a construção de Itaipu e seus efeitos sociais, particularmente o êxodo daqueles que tiveram suas terras indenizadas pela Itaipu no raio de construção do Lago de Itaipu e de vários trabalhadores que estiveram na construção desta usina que também foram ganhar a vida do outro lado da fronteira; 4) O agronegócio do complexo da soja no Paraguai e o crescimento de cidades que antes eram colônias rurais dos pioneiros brasileiros no país vizinho. Este processo econômico tem atraído, nas últimas décadas, novas ondas migratórias, particularmente de jovens brasileiros de cidades próximas à fronteira, que vão para estas pequenas cidades paraguaias trabalhar no setor de comércio e serviços, bem como montar seus próprios negócios; 5) o comércio de reexportação de produtos importados nas principais cidades fronteiriças, especialmente Ciudad del Este, Salto de Guairá e Pedro Juan Caballero, e as redes de comércio e serviços que se estabelecem entre estas cidades e as cidades brasileiras, além das redes com as cidades de forte presença de brasileiros no interior do Paraguai. Todas estas transformações comerciais da fronteira entre o Brasil e o Paraguai, especialmente nas três últimas décadas, tem diversificado o fluxo migratório e as formas e tipos de trabalhos nesta ampla região fronteiriça. Muitos destes fatores estão interligados e acompanham as profundas alterações na sociedade paraguaia entre uma economia centrada na agricultora e pecuária para uma economia alicerçada no comércio e serviços em cidades fronteiriças. 

Levando em consideração a manutenção de tradições brasileiras e a adaptação em uma nova realidade no Paraguai, como ocorre a construção da identidade dos brasiguaios?
Um dos aspectos mais complexos dos processos migratórios é justamente este entre a manutenção de tradições do lugar de origem e a adaptação na terra de destino. As pessoas que migram guardam suas memórias, seus aprendizados culturais, seus símbolos e mitos da terra natal. Como vivem geralmente pensando também em um eterno retorno, muitas vezes adiado, justificam sempre a importância de manter a cultura e pertencimento ao seu lugar de origem. Ao manter estes laços com a pátria, podem facilmente ser mal vistos pelas pessoas do lugar de destino como grupos fechados, guetos, enclaves culturais que não se adaptam à cultura local. Tudo isso fica mais complexo e tenso, se estes imigrantes disputam e concentram recursos econômicos fundamentais neste lugar de destino. No caso dos brasileiros no Paraguai, acontece tudo isso e é justamente neste jogo de interesses e campo de disputas econômicas, políticas e simbólicas que se constrói a identidade brasiguaia. O termo brasiguaio surge no contexto de abertura política e de luta pela terra, o termo foi acionado para se referir àqueles brasileiros que estavam voltando do Paraguai em 1985 e não tinham terras e nem direitos fundamentais da cidadania no Paraguai e no Brasil. Eles desejavam adquirir terras no seu país de origem por meio da reforma agrária.  Depois esta palavra se generalizou, particularmente através da grande imprensa, para nomear todos os brasileiros que vivem no Paraguai. Entretanto, muitos brasileiros que vivem no país vizinho não se auto-denominam brasiguaios e nem aceitam serem classificados com tais. Quando saímos deste plano da generalização e observamos a heterogênea imigração brasileira no país vizinho, percebemos que a identidade brasiguaia adquire variados sentidos: poder ser interpretada como os brasileiros pobres que foram para o Paraguai e estão voltando para o Brasil, ou o oposto disso, pode ser vista como os brasileiros ricos, sojeros, que estão destruindo o meio ambiente e expulsando os camponeses de suas terras por parte das lideranças camponesas paraguaias; além disso, às vezes aparece somente para designar os filhos e netos dos imigrantes pioneiros que já tem a dupla cidadania e dominam o idioma português e espanhol. Quando pensamos nos brasiguaios como os descendentes de imigrantes brasileiros que já nasceram no Paraguai, percebemos já muitos sinais de adaptação a esta cultura fronteiriça no modo de falar, nas misturas idiomáticas, no jeito de tomar o tererê etc. Portanto, esta identidade pode ser negociada, negada e afirmada conforme a situação, como as demais identidades também. Os brasileiros bem sucedidos economicamente no Paraguai evitam serem chamados de brasiguaios porque interpretam que os brasiguaios são os “pés raspados”, o que não conseguiram se dar bem no Paraguai. Muitos deles se autodenominam brasileiros ou paraguaios, conforme também os interesses em jogo e a relação com outro (brasileiro ou paraguaio). Por outro lado, esta identidade brasiguaia é bastante acionada do lado brasileiro no campo da prestação de serviços sociais de saúde e educação e no momento de disputas eleitorais, há sempre o cálculo dos votos dos “brasiguaios”.

Como você vem observando os conflitos no campo que estão ocorrendo no Paraguai, onde os brasileiros estão diretamente envolvidos?
Desde 2002 venho acompanhando estes conflitos e através de reportagens jornalísticas sabemos que eles aconteceram em vários momentos da década de 1990, portanto, não são de hoje. Eles se intensificam em épocas de tensões com as medidas políticas do Brasil na região da fronteira que são vistas como prejudiciais à sociedade paraguaia (“controle do contrabando e narcotráfico”, Tratado de Itaipu, acusação de febre aftosa vinda do Paraguai etc.) e em momentos chaves de redefinição política no país vizinho, como no atual governo do presidente Lugo que rompeu com mais de sessenta anos de governo do Partido Colorado. Vejo sempre com muita preocupação os atos violentos que envolvem a eliminação de vidas de seres humanos, sejam “brasiguaios” ou campesinos paraguaios mortos nestes conflitos. Nestes casos de conflitos armados, sou favorável uma intervenção mais decisiva do Estado paraguaio na prevenção, controle e proteção às famílias diretamente envolvidas nestes conflitos, bem como uma maior preocupação do Ministério das Relações Exteriores do Brasil com estes brasileiros que vivem ameaçados de morte do outro lado da fronteira. Num sentido mais amplo, sou favorável a existência de conflitos e formas variadas de luta pela terra e pelo fim do latifúndio. Os conflitos sinalizam lutas sociais mais profundas e a necessária reivindicação da reforma agrária que precisa ser feita nos dois países. Os conflitos, aqueles que não se reduzem a práticas xenófobas e a eliminação física e simbólica do outro, são saudáveis e apontam para as críticas importantes relacionadas às injustiças sociais nesta região de fronteiras.

Em sua opinião, como a gestão do presidente Lugo interfere nesse processo de organização de milícias por parte da população na defesa de uma suposta soberania paraguaia na utilização da terra?
A eleição do presidente Lugo em 2008 e seus discursos de campanha alimentaram muitas crenças nos setores populares na possibilidade de efetivação de uma justiça social naquele país tão desigual. A realização de uma reforma agrária era uma de suas metas principais, conseguindo inclusive o apoio de muitos movimentos e entidades ligadas aos camponeses que lutam pela terra. As alianças governamentais, os escândalos morais e políticos, bem como a reprodução de velhas práticas políticas destruíram muitas crenças fortalecidas no período eleitoral e podem ser vistos como motivações importantes que possibilitaram a radicalização de movimentos e “milícias” armadas que passam a lutar violentamente pela terra e pela soberania do país vizinho. O grande problema é que em nome da terra e da soberania, estes grupos armados alimentam práticas xenófobas e destroem a vida de brasileiros inocentes que construíram honestamente suas vidas no país vizinho. Estes grupos armados precisam ser controlados o mais rápido possível.

Para finalizar, em outubro o professor estará em Foz do Iguaçu e região para uma série de atividades. O que está sendo planejado?
Estarei no dia 27 de outubro na Universidade de Integração Latino-americana (UNILA) para uma palestra e para lançamento do meu livro fruto de minha tese de doutorado: A dinâmica das fronteiras: os brasiguaios na fronteira entre o Brasil e o Paraguai, publicado nesta ano de 2010 pela editora Annablume. Sempre um prazer voltar a Foz e visitar novamente a região, poder discutir as idéias do livro e visitar os novos amigos que a gente vai conquistando durante as trajetórias de nossas pesquisas, sempre bom trocar idéias e aprender sempre com a complexidade da vida nesta região de tantas fronteiras.  



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