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sábado, 6 de novembro de 2010

Hoje é Sábado! Dia de Bate Papo!

          Olá queridos leitores, por questões de tempo estamos mudando o nosso Bate Papo para o sábado. Esperamos que continuem prestigiando as nossas entrevistas. Tenham uma ótima leitura!
 
         Hoje apresentamos uma conversa um pouco extensa, porém interessantíssima com a diretora da Fundação Nosso Lar, Ivania Ferronatto, realizada no dia 21 de Outubro deste ano. Em meio a tanta correria ela se dispôs a nos ceder algumas palavras sobre o maravilhoso trabalho realizado há alguns anos na região das três fronteiras. Nossa entrevistada nasceu em Caxias do Sul e é formada em Pedagogia. Morou no Paraguai nas cidades de Coronel Oviedo e Assunción onde trabalhou por 15 anos com educação infantil em abrigos para crianças, como a “Aldeia Infantil SOS”. Foi convidada a vir para Foz do Iguaçu em 1996 para conhecer o Horto Municipal, onde trabalhavam meninos abrigados e também para implantar as futuras “casas lares”, pois ela já tinha uma vasta experiência nas aldeias infantis paraguaias. Acabou ficando aqui em Foz onde constituiu família e conquistou bons amigos.

Como e quando surgiu à Fundação Nosso Lar?
Bom, a Fundação Nosso Lar surgiu em 1996. Na verdade ela nasceu pra dar uma resposta para um problema que existia nessa data aqui em Foz do Iguaçu que era um abrigo, só para meninos, tinha 40 meninos no Horto Municipal, que eram os meninos que andavam pelas ruas, alguns órfãos outros não, com dificuldades nas famílias, adolescentes e também crianças, ela surgiu como resposta a isso. Já naquela época em 96 apontavam umas novas idéias no atendimento a esse tipo de demanda e não era aquele atendimento que a gente via lá, era basicamente um depósito, porque basicamente eles ficavam lá, comiam, bebiam e não tinham um Projeto Político Pedagógico. Era um grupo de meninos muito grande, não se trabalhava com a família, com a inclusão, então ela surgiu como resposta, pra dizer: olha esses meninos precisam voltar ou reintegrar as suas famílias de origem, a comunidade, eles precisam andar nas ruas, sem que isso seja um problema para a sociedade, por que que eles estão na rua?O que eles estão fazendo?E aí a gente apresentou uma proposta de trabalhar com os meninos em casas lares, em unidades, de tentar descobrir as histórias deles, porque até então o menino chegava lá, se anotava o que ele dizia ou que o que o guarda municipal, que na época o conselho tava começando e eles vinham só trazidos pela guarda, SOS criança, e aí não se tinha realmente a história verdadeira do menino que estava em questão. Aí a gente começou a levantar a história, aí a gente descobriu que a história poderia nos indicar quais os motivos que faziam com que esse menino estivesse na rua, se era realmente orfandade ou não, se tem família extensa e a complexidade do problema a gente poderia ter mais subsídios para tentar resolver, sabendo de onde ele vinha e não só com a família, se era uma comunidade onde tinha igrejas, pastor, a escola que ele freqüentou, que por mais que ele não freqüentasse assiduamente ele foi matriculado, o que que a escola sabia dele, creche. A maioria dessas crianças não passou por creche e tem um dado que nos diz que a criança quanto passa pela educação infantil ela tem uma chance maior porque ela esta num nível de proteção maior do que de uma criança que fica fora. E aí a gente apresentou um projeto de atender esses meninos que estavam lá em grupos menores de até 10, e de formar educadores, de inserir numa comunidade, porque no Horto fica um pouco distante, na época, em 96 não tinha, o bairro não estava ocupado, e aí a gente decidiu implantar num bairro que já tivesse uma estrutura, e a gente achou que aqui no Jardim Elisa, Jardim Bourbon, Vila Iolanda, eram bairros que naquele momento oferecia creches, escolas, toda infra-estrutura de transporte coletivo, posto de saúde, para que os meninos fossem atendidos nas unidades e acessassem todos esses serviços sem muita dificuldade.

A Fundação Nosso Lar está localizado desde o inicio do projeto no mesmo lugar?
Não, nós alugávamos três casas aqui do bairro, até poder comprar essas área de uns 200 metros. No ano de 1996, já no mês de outubro, o padre Arturo Paoli, que é um padre que também sempre lutou em defesa dos direitos, nunca foi de comunidade, vivia inserido ali no Porto Meira, na favela da Boa Esperança, na época ainda não era uma ocupação regular, então ele estava trabalhando ali. Na época ele nos apresentou um grupo de italianos que veio conhecer o trabalho e eles gostaram muito, porque a gente sempre trabalhava muito na linha de formar os meninos, de fazer eles. Na verdade depois a gente ficou pensando que a gente formou eles, eles não se adéquam a realidade que existe, porque eles são muitos sonhadores em alguns momentos é meio complicado, você trabalhar pessoas pra viver numa sociedade que não exige pessoas pensante, que ela quer gente que faz o que o outro manda, faz aquilo e não tem iniciativa, pouca criatividade, se cacareja que o mercado exige outro, mas não é assim, eu acho que na vida real tem uma diferença. E aí ele nos apresentou esse grupo de italianos e eles disseram no que, que a gente pode ajudar, e na época nos dissemos, olha aqui nós não temos problema com alimentação, nem pagar água, pagar luz, isso agente não tem, o município nos repassa essa verba e a comunidade ajuda com roupa e calçado. Isso aí não tem, nós temos uma dificuldade em ter o que é o patrimônio, a casa própria, que é o problema de todo o brasileiro, e isso nos dava muita insegurança, às vezes você alugava uma casa, quando uns 10 meninos chegava, o proprietário já achava problema, não porque é muita criançada, eles vão destruir, por mais que depois a gente entregasse tudo em dia, os vizinhos complicavam, então a gente via que isso era um problema e cada vez que nos pediam a casa, todo mundo ficava inseguro. Uns tinham medo de voltar para o Horto, outro tinham medo de ficar sem casa, a gente tinham que fazer todo um trabalho, inclusive a nível de alimentação, porque quando eles viam que na dispensa tinha acabado o último pacote de açúcar eles já ficavam ansiosos, então a gente tentava explicar que era uma outra realidade, que isso não ia acontecer que a gente ia fazer a nossa parte, que eles estudando, eles mostrando avanços, que as pessoas iam continuar ajudando, mas que a gente também tava trabalhando pra isso, porque ao mesmo tempo em que a gente dizia pra eles que era importante batalhar, conquistar a sua vida, o seu sustento, ao mesmo tempo nós como instituição que exemplo a gente dava. Vivíamos pedindo ajuda, fazendo macarronada, então a gente ensina uma coisa e o que eles liam disso. E a gente se da conta hoje que ficou muito forte essa coisa de depender dos outros, porque o filho aprende com o pai e as crianças aprendem com a instituição, a instituição faz o que eles aprendem a fazer. E aí todo esse aprendizado os italianos acharam legal e foram entrando, discutindo sempre o que era melhor o que não era, foi então que a gente comprou esse prédio e foi ampliando, compraram uma casinha, depois foi ampliando mais uma sala. Essa sala aqui, (sala da direção, bem grande) foi doada por pessoas de Foz do Iguaçu, um grupo que não se identificou e doou esse espaço. Isso aí (prédio ao lado, o salão e a hospedaria) foi construído por tijolos ecológicos pelos meninos na época, um egressado era o construtor, ele era um menino maior já ,os outros jovens de 16, 17 anos faziam o tijolo e construíram também a hospedaria, que hoje abriga pessoas que vêem para Foz fazer turismo solidário, pra visitar entidades, de outras ONGs, vêem fazer cursos e ficam aqui, a gente tem essa disponibilidade. Ele é pago, a diária é de 20 reais, e é assim, depende do objetivo, o hospede vem pra turismo solidário ele paga com a solidariedade, dando aulas, indo nas entidades fazer algum trabalho, agora se é uma pessoa que vem de outra instituição com o intuito de descansar, aí tem essa taxa, que ajuda na limpeza, nas coisas mais. Então depende muito do objetivo da pessoa que vem.

E os meninos do início da Fundação, aqueles que foram tirados do Horto, vocês ainda tem contato com eles?
Então, dia 31 de maio de 2010 a Fundação Nosso Lar, por diferentes motivos, a gente não pode dizer assim, foi tal motivo, foi culpa... Existem vários culpados, mas assim, por diferentes motivos nós decidimos cancelar o projeto “nosso lar”. Porque a Fundação Nosso Lar é uma instituição que congrega vários projetos, um deles é o “CEDEDICA” que é o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente, que faz anos que tem feito uma pesquisa das mortes dos adolescentes de Foz do Iguaçu, agora vai publicar o resultado da pesquisa, já publicamos o primeiro livro, que era “Abandono, Exploração e Morte”, que eram três pesquisas que foram feitas, de lá pra cá continuou se pesquisando a morte violenta de adolescentes aqui em Foz do Iguaçu. E o “CEDEDICA” faz isso, cuida dessa parte, pra tentar descobrir porque esse adolescente, quais as políticas publicas falharam para que ele chegasse aí, porque ele não chegou, ele não pulou de um menino bonzinho que tava na escola e foi assassinado, existe toda uma trajetória e a gente quer ver onde o estado, ou qual a política publica que falhou, ou tinha demais ou tinha de menos, a família, que papel teve nisso, então essa pesquisa esta em andamento, com parceria da UNIOESTE. A gente ta pedindo alguns profissionais de diferentes áreas, para publicarem texto, eles vão ler essas pesquisas e cada um dentro de sua área vai fazer uma análise. Então tem gente do Direito da UNIOESTE, a gente já conversou com a assistente social da Uniamérica, falta à pedagogia. O CEDEDICA ele fica fazendo essas coisas pontuais. Depois nós ficamos com o projeto que a gente tem cinco famílias acolhedoras, que são famílias que acolhem meninos e meninas e por tempo indeterminado, eles possuem a guarda dessas crianças e adolescentes, mas a qualquer problema nós somos contatos para podermos ajudar. Muitos deles estão com 16, 17 anos e quando atingirem a maior idade vão continuar na casa desses pais sociais, entretanto eles ficam? E quem tem o respaldo família se torna mais fácil, mas também é complicado, imagina quem não tem. Então, a gente se preocupa, mas ao mesmo tempo é uma preocupação que nos deixa ansiosos, porque a gente precisa empurrar eles pra vida e ao mesmo tempo a gente fica com aquela preocupação e por isso a gente acompanha e às vezes a gente diz “há, mais vai continuar ajudando?” cesta básica não vai mudar o futuro da pessoa, mas ajuda, ajuda um monte, só quem sabe o que é ficar sem alimento, não da pra gente dizer que ela é toda negativa, ela é pra ajudar um momento específico, pra que a pessoa consiga caminhar. Você não pode fazer a pessoa sentar e se esparramar, então às vezes a gente faz um escambo com o pessoal, um dia um deles meu ligou e disse “tia eu to precisando de dinheiro pro aluguel” e eu disse que tava precisando cortar toda a grama, arrumar o terreno, aí ele disse “então ta tia, feito”. Então essas coisas são feitas para que ele não consiga o dinheiro de graça, ele trabalhou pra isso, mas mesmo assim é complicado, eu acho até que merecia uma análise assim, porque a pessoa quando ta sem perspectiva, não tem o que comer, mora numa casa toda ruim, a vontade nesse momento acaba sendo prejudicada, então a pessoa acaba pensando, pra que que eu vou me esforçar se eu não vou chegar a lugar algum? É isso que eles pensam, me esforçar pra que? Pra chegar a onde? E aí tudo isso alimentado por essa maquina que é a mídia. Aí vem um menino e diz “tia pra que eu vou estudar se eu não vou conseguir coisa alguma? E aí você diz que ele tem que estudar. Tem uns que quando crescem e voltam aqui, dizem que ta difícil, eu digo que não é o estudo que iria levar vocês longe, mas seria o pensamento, a crítica. Mas ai se você critica demais, você não é aceito no mercado, então tá, você tem que achar aquele espaço que parece com você pra poder ficar.    

Como é abordada por vocês a questão da violência com essas crianças e adolescentes?
Uma das grandes dificuldades que a gente tem, eu acho que foi fazer os adultos que trabalharam aqui, principalmente os educadores entender a raiz da violência, o que é a violência, porque a violência às vezes é uma palavra, um gesto, então, por exemplo, é proibido bater, então o que mais aparecer é que há eu já apanhei, não se consegue entender que quando se fala em bater, se fala em todo tipo de violência. Então nós tivemos educadores aqui que falavam pros meninos “você está aqui de favor, porque ninguém te quis”, de educadores competirem com os meninos, porque na casa dele a dificuldade era maior, então porque que esse menino tem tudo aqui e meu filho ta lá e não tem nada ou tinha gente que não tinha filho, mas dizia que ele não teve nada daquilo. Por exemplo, de conseguir separar que quando um menino esta te agredindo, porque eu tenho uma relação muito próxima com uma pessoa que às vezes tem uns rompantes que sai de perto e você tem que entende que aquilo não é direcionado a você, mas é todo um contexto. A pessoa que abandonou, é a família, muitas vezes nós discutimos com marido, colegas de trabalho, aí por exemplo, essa falta de informação e entendimento se fazia a necessidade, era necessário fazer uma formação continuada e permanente e ao mesmo tempo era necessário atender as emergências e não tinha tempo de fazer uma coisa e outra.        

Todos os membros da Fundação Nosso Lar são voluntários?
Sim, atualmente a Fundação possui unicamente voluntários. Nós estamos trabalhando em cima de outros projetos, em função de, é que eu começo falar e esqueço de parar (risos) o que nos fez fechar foi os recursos, a gente não entrou em um acordo com a secretaria, com a prefeitura por que assim, aí eu já respondo o tema da violência. Porque eu não posso violentar profissionais para trabalhar temas de violência, eu tenho que dar dignidade pra eles, condições de trabalho, pra poderem pagar um bom médico, uma boa terapia. Então eu não posso violentar uma profissional, uma técnica, um motorista, uma mãe social pra atender, por que aí vai continuar a mesma coisa. Então isso nos fez decidir que a gente não queria fingir que tava fazendo um trabalho, fingir que era feliz ou fazer nome, a gente não queria isso, até porque a gente não precisa. Outra coisa que nos fez pensar é que a criança precisa ser trabalhada no seio da comunidade, da família, não é separada em casa lar, ainda se faz necessário um lugar como casa de passagem, onde não se pode ficar por definitivo, não possa ficar por muito tempo. Ela deveria num momento de crise dela, à noite, ou um problema grave, o ideal era ter um banco de famílias, então por exemplo, pegaram uma menina de nove anos na ponte ou os pais brigaram e espancaram a menina, eu pego no banco chamo uma mãe social e falo, olha tem uma menina de 9 anos, falo o que aconteceu, e ela fala que pode trazer, ela vai pro quarto naquela casa, fica com aquela família aquela noite, porque aquela família foi preparada, pai, mãe, filhos o ambiente, tem um lugar especial, e aquela criança a noite chega a um lugar que alguém acolhe, isso ia fazer bem pra quem? Pra criança e pra família, quem de nós não gostaria em algum momento fazer uma boa ação e que não fosse definitivo. Então uma das coisas também pensou é que a gente não quer mais esse método de trabalho, temos de modificar essa metodologia de trabalho, em função disso é trabalhar na família e na comunidade, nó precisamos que a comunidade como antigamente, que a história tinha isso. Hoje o que que é, o vizinho vê uma coisa errada, o que que ele faz, ele denuncia, tem três crianças abandonadas, porque a mãe foi trabalhar o vizinho não é capaz de ir lá, olha vizinha eu ajudo, enquanto a senhora ta precisando. A gente soube de um caso de três crianças que foram abrigadas por os pais viajaram para o nordeste, o filho de 15 anos que era o maiorzinho cuidava dos outros, porque essa é a metodologia do trabalho é a forma de viver do brasileiro, os pais deixaram os filhos menores com esse maiorzinho e foram pra um enterro de alguém lá no nordeste, então imagina o tempo, é aí as crianças foram para o abrigo, quando na verdade, nesse momento, os vizinhos poderiam ter dito olha a gente cuida enquanto vocês vão, só que a gente não consegue mais ser solidário, o individualismo faz a gente pensar que é muito sacrifício e na verdade se a gente não mudar isso vai ser cada vez pior e a gente não quer fazer parte disso.

Como era feito a escolha dos funcionários da Fundação?
Nós fazemos uma seleção, geralmente assim, às vezes nos jornais, às vezes por indicação, quando eu falava que tava precisando de alguém assim, vinha alguém e me falava que conhecia alguém que poderia fazer esse serviço, e aí, por exemplo, as mães sociais hoje que tinham um vínculo direto com as crianças, eles passavam por uma seleção, primeiro a gente chamava, explicava o que que era o trabalho, era a primeira reunião, o que que era a Fundação, qual o objetivo do trabalho e tal, aí desse passava uma peneira, porque tinha gente que falava olha não dá, não sei o que, o restante se fazia uma preparação, formação.

As pessoas que trabalham aqui elas se dedicam unicamente a Fundação?
Na época que as pessoas estavam trabalhando aqui, eram exclusivamente aqui, todos os técnicos, as mães sociais 24 horas, porque elas moram nas casas com os adolescentes, ela, o marido e os filhos. Acho que essa mudança foi necessária, porque em 1996, quando a gente começou, naquele momento histórico, aquele perfil de crianças e adolescente era possível esse tipo de trabalho, hoje em 2010 o perfil de criança e adolescente que vem vindo com o trabalho de reintegração que deve ser feito muito rápido, se necessita outro perfil e pra um casal ou uma família morar teria que ser com um grupo fixo, ou mais ou menos fixo, e não tem mais. Então assim, muitas coisas foram mudando e eu acho que essa metodologia exige outro tipo de trabalho.

E agora, com o fechamento dessas casas lares, essas crianças foram pra onde? O que aconteceu?
É assim, desde que nós abrimos em 1996, nós começamos uma luta pra fechar o abrigo municipal, que na época chegou a ter cem criança, porque quando a gente abriu as casas lares, nós começamos a pegar os meninos que não tinham pra onde ir, não tinham família, eram órfãos, ou com problemas mais graves, eles iam pra casa lar da Fundação e eles traziam um monte de dificuldades do abrigo municipal. Problemas de abusos, de violência, de falta de individualidade, coisas assim horríveis, eles falavam na conversa com a psicóloga, aí falavam com a mãe, contavam coisas assim, aí a gente começou uma luta pra fechar o abrigo municipal. Em 1996 todas as conferências, com o conselho lutando para o fechamento, só houve esse re-ordenamento, porque fecha pra reordenar em 2006, com o Drº Rui Mujiat falou com o prefeito que naquela época estava inspirado e aí a gente acabou fechando o abrigo municipal. Dessas cem crianças no dia 31 de maio e todas as que foram entrando depois, acho que passaram mais de mil crianças pela Fundação. Ficaram 12 e essas foram entregues à prefeitura, que fez um contrato com outra organização não governamental. Eu não sei como eles estão trabalhando e essas doze crianças que ficaram são crianças com problemas graves, saúde mental. E então assim, que precisariam de um espaço específico, com atendimento específico. Outra dificuldade que a gente tinha era isso, o acesso a saúde mental é difícil, é complicado, aí essas crianças que ficaram são as de problemas mais difíceis, grupos de irmão que fica difícil desmembrar e aí não existe um estudo claro, que na verdade poderia sim desmembrar se houvesse vontade política e se escutasse esses jovens porque pode desmembrar um grupo de irmãos entre famílias afins, que às vezes você vai a tia fica com um, a vizinha do lado fica com o outro, dividi-se entre parentes e eles se vêem com freqüência. Já foram feitos experiências assim e na verdade foi provado, o que não pode ocorrer é mandar uma criança pra um canto do país e o irmão para outro canto, porque aí sim os irmãos não teriam mais contato, isso é errado, mas obrigar eles a ficar os faz criarem uma raiva muito grande um do outro. Porque a gente tem hoje meninos que tem raiva do irmão porque por culpa deles “eu fiquei no abrigo”, também tem casos de adolescentes que estavam prestes a completar 18 anos que falavam que preferiam ficar no abrigo, mas que a irmãzinha que era muito pequena poderia ser entregue a uma família. E aí, o que, que é, não botam a criança, aí quando ela fica grande ninguém quer, porque adolescente é uma das dificuldades que nós, nós eu Ivania mãe, diretora da Fundação, seres humanos, temos dificuldades, porque dependendo da fase que nós pessoalmente passamos a gente tem a mesma dificuldade de cuidar do adolescente, porque a gente passou uma fase difícil, se foi maltratado nessa fase a gente repete isso, então tem que ter muito cuidado e adolescente ninguém quer, rebelde pior ainda, todo mundo quer adolescentes bonzinhos.   

Como a situação de vivenciar as fronteiras internacionais interfere ou atua no trabalho de vocês?
Eu acho que as duas coisas têm momentos que interfere e tem momentos que não. Assim, trabalhar na fronteira eu acho que nos permite, a gente nos tem muros, fica uma coisa mais ampla, quando a nós fazemos um trabalho aqui, se a gente arruma Foz e não passa isso para Ciudad Del Este e Puerto Iguazu é um trabalho inútil, porque se Foz está bem, essa demanda que está ruim vem pra ca. Essa fronteira que a gente vê aqui ela não é real, ela é um fronteira que está no mapa, mas você pode ver que a juventude vai se divertir em Puerto Iguazu, existe a fronteira talvez mais para os adultos, os que já têm raízes, mas o pessoal jovem, adolescente , a criança e muitas famílias pobres não têm, os brasiguaios que estão voltando pra cá é uma demanda terrível e nós estamos tentando de todas as formas, porque nós temos casos de filhos de paraguaios, para poder fazer a reintegração com a mãe paraguaia, nós temos que entrar no Paraguai, levar essa mãe para reaver seus documentos, porque ela estava sem La em Encarnación, depois tentar fazer ela regularizar a situação dela, pra daí poder ficar com os filhos, que estão abrigados no Brasil e são brasileiros, pessoas por exemplo que foram para o Paraguai. Tivemos adolescentes que foram para o Paraguai e foram mortos lá, que estavam no abrigo aqui, foram pra lá e morreram num incêndio, a outra o marido é brasileiro e a mãe Paraguai, os filhos ficavam no abrigo e nós fins de semanas os pais pegavam as crianças e levavam pra casa, quando a gente ia visitar as crianças, elas não mais estavam em casa, elas estavam no Paraguai. Então assim, várias situações, nós temos várias crianças e adolescentes de origem paraguaia, é uma coisa impressionante, então assim, você tem que levantar, trabalhar com outra metodologia, porque o Paraguai tem outra cultura e às vezes eu ouvia uma profissional dizer “a mais essa mulher é muito parada”, eu digo, gente lá eles funcionam de outro jeito, a mãe ta tranqüila porque ela vê que o filho ta bem, então ela vai atrás da vida dela, e quando ela vem aqui ela trazia uma sacola de guloseimas e ela achava que tava bem, porque lá é outra cultura. Por muito tempo existia as domésticas que trabalhavam nas casas de família e as crianças ficavam em centros de educação infantil dormindo, de segunda a sábado, aí passava o sábado à tarde e o domingo com a mãe, e domingo à noite entravam de novo.      

Qual a relação de vocês com o poder público e com o setor privado?
Bom, eu acho que a gente consegue dialogar, nós temos muita diferença, com o poder público, por exemplo, a Fundação Nosso Lar diverge, e existem várias, eu digo aqui em Foz do Iguaçu “showroom” tu vai lá e vê a carcaça, mas não funciona, você vê aquilo tudo bonito
Com o poder público e privado nós temos um diálogo, mas de parceria muito devagar, pouca parceria. Primeiro que por trás desses poderes existem pessoas, as pessoas quando chegam aqui na Fundação falam, nossa essa instituição tem dinheiro, por quê? Porque eles acham que pra pobre as coisas tem que ser caindo aos pedaços, coisa organizada, bonita, bem feita, assim, a gente tem que dizer pra eles, que eles realmente pensam errado, se você vai numa organização que recebe recurso publico e ela ta caindo aos pedaços, é porque tem um escoamento de dinheiro aí que ta indo pra onde? Se eles vão numa instituição que cuida bem que ta sobrando as coisas é sinal que o dinheiro está sendo bem investido, é sinal de que a Fundação fez uma poupança, que era pra manter os atrasos da prefeitura, pra não atrasar os salários dos funcionários, porque senão a lei te condena por isso, então nós tínhamos a poupança, mas a gente tem uma poupança porque o dinheiro não vai pro lugar que não tem que ir, não existe desvio, várias vezes eu via a brincadeira que eu ia montar um show room, pra quando chegasse gente visitar e dizer para as crianças, “correm pra maloquinha, aí eles já iam se vestir se sujarem, aí as pessoas são capazes de deixar as calças, por que as pessoas querem o que? É isso, e na verdade toda pessoa gosta de ser atendido num ambiente bonito, cheiroso, belo, sabe que muda. Inclusive existem grupos de pessoas que entram nas favelas pra otimizar, pra mudar o visual do espaço, e as pessoas dizem “essas famílias precisam de outras coisa”, pintam as casas, arrumam o jardim, colocam portão, enfim, a gente começa com o exterior pra poder mudar o interior. Se você esta num lugar que é todo desorganizado, todo sujo, todo feio que animo você tem pra fazer as coisas, e isso não precisa ir longe, os estudiosos dizem uma coisa chama a outra, se você começa a estar sempre bem arrumado, sempre limpo, perfumado vai atraindo coisas boas. É como a sociedade civil, nós temos outra instituição aqui em Foz do Iguaçu que quando construiu o poliambiulatório a metodologia deles era construir um Oasis com a mesma dignidade, porque o rico tem que ter piso de mármore e pobre tem que ser de empedrado, então porque que ele não pode ter o mesmo, então isso se chama acessibilidade, foi provado de que uma pessoa criada num ambiente bom e com coisas boas, ela sempre vai lutar pra não abaixar aquele padrão, então quanto melhor o padrão que tu tem, você vai sempre buscando o melhor, você nunca anda pra trás, quem anda pra trás é caranguejo. Então a dificuldade que a gente tem é dizer Para as pessoas que isso ta assim, porque foi investido dinheiro e as pessoas querem ver que ta todo mundo chorando, aí por que nós precisamos fazer isso. A Fundação Nosso Lar, inclusive nós tivemos com outras entidades e tentamos dizer pra eles pra nos unirmos, por que que a Fundação às vezes não aceita certas coisas e aceita outra, não é porque a gente é metido, é porque nós temos o entendimento que nós temos que dar para o público a dignidade, eu tenho que pensar, o dia que eu morrer e eu não tiver quem fique com as minhas filhas, eu quero que ela fiquem na entidade que eu cuidei, eu quero que elas fiquem aí, entendeu? Eu quero que a minha filha seja atendida nesse centro aí, então se eu não consigo deixar minha fila no lugar que eu coordeno, que eu cuido então ele não serve pra nada, então eu vou fazer outra coisa, aí as dificuldades que a gente tem é nesse sentido, é fazer o poder público e privado entender que isso não é que a gente queira ser diferente, mas que é a forma real, é o direito de todo ser humano, a dignidade, as coisas boas, tem pra todo mundo, sabe, nesse planeta que a gente vive tem tudo pra todo mundo, então nós vamos ter que começar a abrir mão de algumas coisas em detrimento de outras. A gente quer uma cultura de paz, a gente quer viver numa cidade de paz, então eu vou ter que abrir mão de algumas coisas minhas, pra ajudar para que o outro tenha, para ele também sinta essa paz, porque eu não posso querer que o outro que passa fome, dificuldade fique “Deus quis assim”, isso vai suscitando toda uma raiva, principalmente no adolescente, então assim, o que a gente quer como sociedade, é que entenda que todos têm os mesmos direitos.
 
E como fica a família de São Paulo, que havia abrigado ela?
Na verdade a família já estava se preparando, porque ela sabe que acolheu ela quando ela tinha 16 anos e eles já sabiam que ao completar 18 anos ela poderia sair de casa. No entanto foi a mãe social que ligou pra mim pra falar que ela quer ver a mãe dela, e eu acho muito justo, a gente já fez o que tinha que fazer, e ela sabe que se um dia precisar nós vamos estar aqui. A família tem um entendimento, porque eu acho assim, a maioria da família acolhedora, quando acolhe precisam de um acompanhamento, porque ela pode pensar que a menina esta rejeitando a família social, então eles precisam de um espaço pra que um profissional diga que isso não é verdade, era uma adaptação, então esse entendimento ajuda a pessoa, essas famílias poderiam pagar um profissional fora, mas a maioria não tem condição, sem contar que tem profissionais de fora, que não tem o entendimento e a compreensão desse tipo de problema.


Para finalizar, quais os projetos futuros?
Bom, a gente quer trabalhar realmente com políticas públicas, produzir pesquisas, capacitação e formação e uma das coisas que a gente mais tem que fazer é cuidar de quem cuida, nós estamos tendo bastante dificuldade de encontrar pessoas que saibam da importância que é cuidar de quem cuida, porque ninguém quer investir nisso, todo mundo quer ir lá no pronto socorro, porque aquilo te apazigua, aí vê aquela feridona aberta que você costurou e curou, aí você se sente bem, você vê o resultado. Aquele resultado que não se vê, poucas pessoas conseguem fazer, aquele que é a longo prazo, e outra, as pessoas não conseguem entender que se você cuida de quem cuida, você sem vê, vai ver que lá na ponta o resultado dessa ação que você fez aqui vai da lá. Você vê uma mãe nervosa, mas você cuidou do filho dela, você amparou uma pessoa num momento de dificuldade, você amparou uma profissional que esta em crise, uma professora que não agüenta mais, que esta com medo, assustada, ta com raiva, não pode mais ver aluno, porque ta com raiva, porque essa é a palavra, e que ela não pode dizer isso porque “deus o livre” ela dizer isso, ela precisa ter um espaço onde ela vai dizer o que ela sente, o que ela pensa e por que, onde ela consiga garimpar e encontrar de fato o ser dela. Porque ela escolheu aquela profissão por alguma coisa, e que esta sendo tapado por um monte de frustrações, raivas e medo que precisam ser destapados. Eu acho que o caminho nosso agora é esse, é políticas públicas, tentar trazer essas discussões, participando de fórum, de rede e que isso acabou incidindo no atendimento direto e nos egressados, que isso hoje, porque aqui quando a gente fala egressado, todos os que passaram por aqui, os que ficaram de 10 a 15 anos, aos que passaram por um mês. Tem uma demanda ali que não esta sendo atendida em lugar nenhum, então é essa demanda que a gente quer ajudar, que eles saibam que se tem uma emergência eles sabem onde tem que chegar, a menina que completou 18 anos estava acolhida por uma família que foi morar em São Paulo e um dia ela me ligou e disse tia eu não quero mais ficar aqui, eu queria voltar, então a gente a trouxe de volta, e perguntamos o porquê ela queria voltar, depois de anos que ela passou no abrigo a mãe dela apareceu, ela tinha refeito a vida e veio atrás dos filhos, ela tinha fugido por causa da violência do marido, e agora que ela se sentiu forte ela voltou, ela quer ver os filhos, quer ajudar os filhos, ela ta bem. Aí a gente trouxe essa menina, ela vai visitar a mãe, aí ela fica hospedada numa das casas da Fundação, que a gente tem famílias, tem uma casa que tem três famílias hospedadas ali, eu falo hospedadas porque elas moram nas casas da entidade. 




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