O tema “direitos humanos” tornou-se constante nas últimas duas décadas no país. Os grupos pertencentes à sociedade civil organizada e os diferentes veículos de comunicação cotidianamente pautam aspectos relacionados aos mesmos. Contudo, nem sempre esta divulgação ou exposição contribui para uma melhor compreensão do fenômeno. Assim, para pensarmos esta questão, lembramos que a origem desta preocupação é a mais vaga possível. Existem esforços para vinculá-la ao cristianismo, às revoluções burguesas européias, ao processo de descolonização da África e ao fortalecimento da ONU no pós-guerra, por exemplo.
A única coisa certa é que as discussões referentes ao assunto conseguiram um maior espaço no Brasil com o processo de democratização. O período militar foi caracterizado pela cassação de direitos, pelo controle sistemático das liberdades e pela busca da verdade a “qualquer preço”. Em nome da segurança nacional, a tortura era institucionalizada para combater os supostos “inimigos internos”. Logo, debater direitos humanos em um período de legitimação do “pau de arara” era uma contradição e uma impossibilidade.
Com a abertura gradativa e sistemática da política brasileira, os diferentes movimentos sociais do país começam a apresentar suas rearticulações e a oferecer subsídios para que os direitos humanos apareçam como pauta na sociedade nacional. Tal contexto ganha um combustível extra quando as políticas liberais começam a ser adotadas na agenda econômica, pois estas restringiram os investimentos em políticas sociais ao mesmo tempo em que incentivaram o fortalecimento da sociedade civil.
Paulatinamente, constatou-se uma migração de responsabilidades. O Estado começou a concentrar seus esforços no equilíbrio cambial e no combate à inflação, jogando as preocupações mais diretamente vinculadas às questões sociais as diferentes organizações não governamentais e aos movimentos sociais. Assim, a defesa dos direitos humanos começa a ser fundamental nas relações entre a sociedade política e social, tornando-se tema constante na vida cotidiana brasileira.
No entanto, isso não quer dizer que a definição ou a compreensão do que seria direitos humanos seja ponto comum. Existem duas perspectivas predominantes a respeito do assunto. A primeira possui um viés liberal, acreditando que “os direitos humanos são os direitos e liberdades básicos de todos os seres humanos. Normalmente o conceito de direitos humanos tem a idéia também de liberdade de pensamento e de expressão, e a igualdade perante a lei”. Esta posição minimalista é sustentada pelas “prerrogativas universais aprovadas pela Assembléia Geral das Nações Unidas (ONU), em 10 de dezembro de 1948, que estabelecem os direitos fundamentais da pessoa humana”.
Por outro lado, existe uma posição que defende que tais direitos é o resultado de um processo. Neste sentido, acredita-se que eles correspondam a um “conjunto de direitos historicamente conquistados que materializam as reivindicações e as conquistas humanas em diferentes contextos históricos”. Dentro desta perspectiva, o que se coloca em questão não é os “direitos básicos”, mas “os princípios universais interdependentes e indivisíveis que obrigam os Estados a proteger, respeitar, promover e garantir direitos no âmbito político, civil, econômico, social e cultural”.
Sem delongas, a primeira abordagem defende direitos básicos por estar relacionada a um Estado mínimo, enquanto que a segunda defende os direitos como parte de um acordo entre governo, mercado e organizações civis por estar sustentada e amarrada à noção de Estado de bem-estar social, em outras palavras, à social democracia. Embora as duas perspectivas possam ter elasticidades variadas, ambas as concepções restringem os direitos humanos aos interesses políticos econômicos. Quem define até onde se estende a tolerância, a censura, a tortura, a liberdade, o desemprego e os bolsões de pobreza é o capital. As liberdades civis possuem suas fronteiras definidas pelos interesses de classe.
Assim, dentro do sistema dominante, observa-se a existência de sujeitos que defendem a violência em nome da propriedade privada e que defendem a violência e a intolerância contra aqueles que nunca dividiram das mesmas oportunidades. As fronteiras entre aquilo que é aceito ou não são relativizadas conforme os interesses da “livre concorrência” e do “mercado”. Na concepção dos apologistas do modelo econômico, a ignorância, o atraso, encontra-se entre aqueles que acreditam que o direito à terra, ao trabalho e à comunicação é universal e não entre aqueles que legitimaram o roubo, a expropriação, através do Direito Institucional para justificar sua acumulação primitiva de capital.
Acreditamos que não há direitos humanos em um mundo onde quem determina as regras é o dinheiro. Logo, afirmamos que pensar em direitos humanos é pensar em uma sociedade para além do capital. Por isso, é preciso deixar explícito que: 1) a violação aos direitos humanos corresponde a uma situação arraigada no interior dos antagonismos estruturais do mundo em que vivemos; 2) assim, lutar a favor e em defesa dos direitos é lutar contra o modelo hegemônico, é defender uma visão holística de homem e de mundo, passando pela solidariedade, pelo trabalho coletivo e pela cultura de combate.
É foda!
ResponderExcluirAntes fosse uma foda, isso é trágico!
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