segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Políticas Públicas de Segurança?


             As políticas liberais praticadas em diversas regiões do mundo promovem uma ampliação dos antagonismos sociais. Isso significa que a minoria rica está cada vez mais rica e a maioria pobre cada vez mais vulnerável. Em outras situações, se visualiza uma ampliação dos empregos acompanhada de um achatamento dos salários e do corte dos investimentos estatais em direitos sociais. No caso do Brasil especificamente, constata-se a existência de um regime hibrido, com a permanência de processos de privatização camuflada, fortalecimento do poder privado no interior das estatais e uma política social essencialmente dependente das ações redistributivas (bolsa família e similares).
            A dificuldade emergencial em acelerar o processo de inclusão de milhares de pessoas no mercado de consumo e também no acesso aos direitos sociais básicos é acompanhada por políticas de segurança pública. Logo, é preciso chamar atenção para este aspecto. Políticas sociais e políticas de segurança são vistas como duas faces de uma mesma moeda. Neste sentido, constata-se a existência de duas perspectivas políticas que disputam espaço na busca de hegemonia. Na primeira, aquela que usualmente é defendida por políticos da atual base governista, o processo de policiamento não pode ser realizado sem o oferecimento simultâneo dos direitos sociais nos locais onde o crime predomina. Neste caso, é preciso olhar com cuidado até onde tais procedimentos garantem independência das comunidades ou o controle das mesmas através daquilo que Foucault denominava de microfísica do poder.
            Na segunda, a violência é essencialmente um problema de segurança pública. Assim, as medidas defendidas para solucioná-la são dirigidas para o aumento de efetivo policial e para a construção de novas delegacias e presídios. É dentro desta perspectiva que se observam as posições de Beto Richa, José Serra e Osmar Dias quando ambos afirmam que o problema da fronteira é fundamentalmente de segurança. Todos defendem uma guarda especial para região no combate ao contrabando e ao tráfego, todos defendem cuidados especiais com os dependentes químicos e todos esquecem de problematizar os motivos que levam as pessoas ao crime e aos tóxicos.
            Nos dois olhares existe uma questão não visualizada e que precisa ser explícita e analisada em seu devido momento, pois o crime faz parte da estrutura do modelo econômico e político dominante. O crime desenvolve o mercado, o crime alimenta grupos influentes, o crime garante assistência básica para muitas regiões periféricas, o crime é um dos pilares do estado. Ainda sem discutir tais questões adequadamente, apenas sinalizamos que nem todos os crimes são iguais e nem todos os criminosos. Manipulação, falsa identidade, corrupção, desvio de dinheiro, caixa dois, uso de mão-de-obra escrava, degradação ambiental são crimes e causam um impacto direto na imensa maioria das pessoas, mas estes não são punidos, estes não são presos.
O sistema prisional é direcionado. A maioria dos presos não possui condições de pagar um advogado e o investimento do estado em defensoria pública é ridículo. Estima-se que 90% dos presos brasileiros são pobres, sem escolaridade e moram em bairros distantes. No caso especifico da Cadeia Pública de Foz do Iguaçu visualizam-se claramente tais questões. Os dados apontam que aproximadamente 60% dos presos possuem no máximo o 1° grau.

 
Dos aproximadamente 473.626 presos existentes no Brasil, 454.168 estão atrás das grades e 19.458 estão em regime aberto. Ao todo há 152.612 em regime provisório, presos que ainda não foram julgados ou que ainda podem recorrer à condenação, mas que estão nos presídios do país. Na Cadeia Pública de Foz do Iguaçu, embora os dados precisem ser atualizados, constata-se a presença do problema da superpopulação. Há cinco anos a instituição já tinha um pouco mais do dobro do número de presos recomendados. 

 
            No entanto, o pior é saber que tal situação tende a agravar. Observa-se que em menos de uma década a proporção de presos em relação à população brasileira cresceu 74,4% no país, o que quer dizer que se no ano de 2000 para cada 100 mil brasileiros havia 141 presos, em 2009 esse número saltou para 246. Como observa Loic Wacquant, “o novo senso comum penal visando criminalizar a miséria – e, por esse viés, normatizar o trabalho assalariado precário – concebido nos Estados Unidos se internacionaliza, sob formas mais ou menos modificadas e irreconhecíveis, a exemplo da ideologia econômica e social fundada no individualismo e na mercantilização, da qual ele é a tradução e o complemento em matéria de ‘justiça’”.
            O pensamento ou senso comum difundido é a utilização do policiamento como forma de educação e de limpeza das desigualdades, ao mesmo tempo em que o crescimento das prisões representa um novo e promissor mercado. No final da década de 1990 o sistema prisional norte-americano era a terceira “empresa” com o maior número de funcionários nos Estados Unidos, ficando atrás da General Motors e do WalMart. Como observa Wacquant, “os Estados Unidos fizeram a escolha de construir para seus pobres casas de detenção e estabelecimentos penais em lugar de dispensários, creches e escolas”.  Um modelo desumano e amarrado aos interesses exterminatórios do capital, adotando sem reflexão em muitos países, inclusive no Brasil, onde alguns estados criaram verdadeiras redes de presídios, proliferando paredões de concreto que simbolizam a suposta segurança.
            Neste sentido, a política pública de segurança se mistura com política econômica. Ela retém e, algumas vezes, qualifica parte do exército de trabalhadores de reserva ao mesmo tempo em que gera empregos e um mercado prisional. Para concluir, lembramos que as prisões servem para transmitir um sentimento de controle do inimigo, do concorrente, um controle sobre aquele que se nega a seguir o modelo socialmente aceito e, que por isso mesmo, pode criar e gerenciar mercados que fogem daqueles outros criminosos que estão soltos, mas que controlam oficialmente a vida social, econômica e política. As políticas públicas de segurança não são apenas esforços para impedir a violência, são esforços direcionados para a padronização e o controle social, é a forma mais fácil de acabar com as desigualdades e, mais especificamente com a pobreza, pois está de tão vulnerável e alienada cabe em silêncio no interior escuro e insalubre das prisões.

2 comentários:

  1. Muito bom o texto. A discussão de seguraça pública precisa ser ampliada e analisada dentro de uma perspectiva de classe!

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  2. Além da discussão de uma perspectiva de classe deve ser de consciência peranto a realidade, pois olhamos e não vemos, damos as costas para os problemas que dizem não ser nosso, mas é uma questão de todos nós. Páre, olhe, pense e reflita.

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