segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Tortura Nunca Mais?


            Durante os caminhos que a vida nos faz percorrer, conhecemos um sociólogo chamado Moisés Augusto Gonçalves. Com perfil apimentado e irreverente, expressava na pela um sentimento humanista e de solidariedade aos mais fracos. Devido a isso, seus esforços acadêmicos sempre foram direcionados ao estudo da tortura no mundo contemporâneo, revelando um intelectual engajado, que produz uma sociologia pública e relevante.
            Este texto é baseado em alguns apontamentos feito por Gonçalves e também pelo relatório do Congresso Nacional sobre o assunto. Neste sentido, antes de qualquer coisa, gostaríamos de destacar que a tortura não é um fenômeno recente. No Século III, Ulpiano já afirmava que tortura era o sofrimento do corpo para a obtenção da verdade. Ainda no entorno desta definição, ao longo de toda Idade Média sua prática foi comum na busca da legitimação social e legal nas questões ofensivas a fé católica.
            Com o inicio da modernidade a tortura judicial e legalmente aceita foi sendo paulatinamente abandonada na Europa, no lastro das revoluções burguesas. Contudo, o “espírito cívico dos iluministas” não foi estendido para as classes populares e muito menos para as suas diversas colônias espalhadas pelo globo terrestre. Desde então, a tortura tornou-se judicialmente ilegal, mas ideologicamente aceitável quando praticada contra os pobres e contra aqueles que resistem à hegemonia política e econômica.
            A ascensão dos regimes autoritários denuncia isso de maneira muito explícita. Na suposta defesa da “segurança nacional” e na perspectiva de contenção e eliminação do inimigo interno, a tortura proliferou nos corredores das delegacias do país e nas veraneios vascaínas. No mesmo período ela também se tornou comum nas guerras alimentas pelos conflitos ideológicos do mundo bipolar, Coréia (1950 – 1953), Vietnã (1957 – 1973) e Argélia (1954 – 1962) foram laboratórios de práticas de tortura.
            Apenas em 1984 a ONU realiza uma convenção sobre tortura para condenar a prática e defini-la com critérios mais rigorosos. Segundo o tratado, entende-se por tortura “qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou uma terceira pessoa tenha cometido, ou seja, suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, por sua instigação, ou com seu consentimento ou aquiescência”.
            Todavia, a existência de uma definição oficial e de um tratado que a proíbe não eliminou sua prática. Formas camufladas e silenciosas ocorrem em todos os cantos do mundo. A estúpida guerra norte-america contra o terror alimentou a existência e a definição de duas torturas, uma violenta e condenável e uma light, de uso justificável quando sua prática pode impedir desastres maiores, como atentados, por exemplo. De modo geral, a tortura ainda é praticada, mas escondida por erros ou mitos utilizados instrumentalmente por aqueles que não querem vê-la.
            Cinco erros ou mitos são os mais usuais: o primeiro é considerar a tortura uma exceção, portanto provisória, transitória; o segundo é acreditar que ela garante à ordem e o combate a violência; o terceiro é acreditar que ela seria algo próprio de regimes autoritários e totalitários; o quarto é considerá-la como um problema da natureza humana perversa e desviante, portanto um comportamento de indivíduos isolados e; o quinto é considerar a tortura um produto de sistema desorganizado e de agencias não-profissionais.
            A tortura é um instrumento sistêmico, de legitimação da ordem social. Historicamente ela sempre foi utilizada para reforçar e manter os antagonismos sociais. Entre o período de outubro de 2001 e janeiro de 2004, por exemplo, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias do Congresso Nacional divulgou e sistematizou dados de 1.863 casos de tortura e tratamento desumano, cruel ou degradante recebidos pelo SOS Tortura em todo país, sendo que 40% dos casos ocorreram nas delegacias de polícia e 21% nas unidades prisionais do Brasil.
            Inúmeras pessoas são vitimas de tortura todos os dias, mas poucos casos são públicos. Ameaças através da utilização de armas de fogo, tapas na orelha, choques, afogamento e a utilização de sacos plásticos para asfixia são as formas e práticas mais comuns. Não podemos esquecer que democracia de fato se faz com homens livres e conscientes, não por indivíduos silenciados pelo medo e jogados nos extremos na vulnerabilidade social por um modelo social, política e economicamente excludente.

Um comentário:

  1. Muito bacana o texto. É interessante saber da origem dos conceitos e da relevância da discussão. Embora se divulga que vivemos em uma democracia, diariamente ficamos sabendo de situações que violam os direitos humanos.

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