sábado, 13 de novembro de 2010

Hoje é Sábado! Dia de Bate Papo!

Entrevista com o Professor Arthur Bernardes do Amaral

 Arthur Bernardes do Amaral é Bacharel em Ciências Sociais (UFRJ) e Mestre em Relações Internacionais (PUC-Rio). Atualmente é Professor do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio e Coordenador-Adjunto do Curso de Especialização em Relações Internacionais Contemporâneas (IRI/CCE), nos quais leciona disciplinas sobre a Política Externa dos Estados Unidos e Terrorismo Internacional. É também pesquisador-associado do Laboratório de Estudos do Tempo Presente da UFRJ. Atua na área de Ciência Política, com ênfase em Política Internacional, principalmente nos campos de: Segurança Internacional, Tríplice Fronteira, Política Externa e de Segurança dos Estados Unidos, Terrorismo, Teoria das Relações Internacionais, Política Internacional na América do Sul, Integração Regional.

Professor, como foi o seu processo de aproximação com este problema de pesquisa e com esta realidade social que investiga?
Cheguei à temática da Tríplice Fronteira através da junção de duas vias. Desde minha graduação em Ciências Sociais (com foco em Ciência Política), pesquisei temas relacionados à America do Sul, sobretudo política internacional e história dos países do continente. O ensino médio e a maioria das faculdades de Ciências Humanas costumam dar mais atenção à história e ao pensamento europeu do que a nossos vizinhos diretos, e isso me incomodava. Sentia curiosidade por saber mais sobre quem estava mais perto de nós e decidi pesquisar sobre integração regional sul-americana. Em um segundo momento, passei a pesquisar também temas de segurança internacional e fui convidado a participar da fundação do Grupo de Acompanhamento e Análise do Terrorismo Internacional (GAATI), vinculado ao Laboratório de Estudos do Tempo Presente da UFRJ (http://www.tempopresente.org/). Buscando juntar esse dois temas de trabalho – América do Sul e Terrorismo – cheguei ao debate sobre a suposta presença de terroristas ou seus financiadores na Tríplice Fronteira. Dediquei-me dois anos a pesquisar sobre o assunto em meu curso de Mestrado em Relações Internacionais pela PUC-Rio e publiquei recentemente livro sobre o tema, intitulado “A Tríplice Fronteira e a Guerra ao Terror” (Apicuri, 2010)

Qual a origem histórica desta relação tríplice fronteira e segurança internacional?
A região já era foco de preocupação das autoridades governamentais de Brasil, Argentina e Paraguai muito antes do 11 de Setembro de 2001. Interlocutores do governo brasileiro que consultei para elaborar o livro, afirmaram que desde meados da década de 1980, observava-se o local, devido a crescentes preocupações com o emergente crime organizado na região. Mas foi a partir dos atentados de 1992 contra a Embaixada de Israel em Buenos Aires e, sobretudo, o ataque de 1994 contra a AMIA, na mesma cidade, que a Tríplice Fronteira começou a ser acusada de associação ao terrorismo internacional. Basicamente, alegava-se que a região teria sido a porta de entrada do militante suicida que perpetrou os atentados, percepção que se aprofundou a partir de 1997, quando Carlos Corach, o então Ministro do Interior do governo de Carlos Menem, acusou Cuidad del Este de ser um “santuário” do terrorismo e da criminalidade. Essa retórica foi adotada a partir do 11 de Setembro pelos Estados Unidos, que até o fim do governo Bush filho se manteve como o principal acusador.

Em sua opinião, o que existe de real neste discurso?
É difícil afirmar. Minha percepção é que tanto eu quanto a esmagadora maioria dos comentaristas sobre o tema – sejam acadêmicos, jornalistas, etc. – simplesmente não temos condições de provar ou refutar nada. Se nem mesmo agências especializadas dos governos de Brasil, Argentina, Paraguai, Estados Unidos e, especula-se, até mesmo Israel não conseguiram provar nada em mais de 20 anos de investigações, não serei eu ou algum jornalista que conseguirá, a não ser em um golpe de sorte, o que seria possível, mas também bastante improvável. Em suma, trata-se de reconhecer as limitações de nossa pesquisa e das investigações jornalistas, que são essenciais e devem ser constantes, mas que comumente não vão nada além da mera boataria. E, em qualquer sociedade que preze minimamente pelo Estado de Direito, boato não é prova e todos são inocentes até que provas efetivas mostrem o contrário. O que vinha ocorrendo era uma inversão esse pressuposto básico do Estado de Direito: todos eram culpados até que se provasse o contrário. E essa deturpação não pode se perpetuar, pois muitos são afetados negativamente por essa sorte de distorção.

Aprofundado a última questão, até que ponto o discurso de criminalização da tríplice fronteira, forçando o relacionamento da região com o tráfico e com os grupos terroristas, pode ser entendido como um esforço norte-americano de ampliar sua influência na região?
Muito se especulou sobre o interesse norte-americano na Tríplice Fronteira. Sobretudo a partir de 2003, surgiu entre movimentos sociais sul-americanos críticos dos Estados Unidos o argumento de que poderia acontecer na junção de fronteiras de Brasil, Argentina e Paraguai algo parecido com o que houvera no Oriente Médio. Se no Iraque os Estados Unidos tinham utilizado justificativas não comprovadas sobre a suposta produção de armas químicas pelo governo de Saddan para justificar a ocupação no Iraque, acreditava-se que o governo de Washington poderia levantar falsas acusações sobre a alegada presença de agentes do terrorismo internacional na Tríplice Fronteira para justificar uma ocupação do local. Embora tenham alguma coerência interna, esses argumentos pecam no mesmo ponto que as alegações que partiam dos Estados Unidos: ambos não podem ser comprovados. Eram meros boatos sem possibilidade de verificação. Travava-se, assim, uma guerra de acusações infundadas de parte a parte, que acabou não levando a lugar algum. Até mesmo o argumento sobre o interesse dos Estados Unidos no Aquifero Guarani não se justificaria tanto, por que o Aquifero é gigantesco, indo desde Goiás até a Argentina; Então se, hipoteticamente, fosse interesse dos Estados Unidos ocuparem o território do Aquifero, porque ir especificamente à Tríplice Fronteira onde encontra tamanha resistência e não em quaisquer outros pontos dos 1,2 milhões de km2 que o Aquifero abarca? Talvez tenha sido excesso de zelo por parte de alguns movimentos sociais, pois esse suposto interesse é difícil de ser comprovado, mas, de uma forma ou de outra, é sempre importante manter olhares atentos contra esse tipo de retórica acusativa.

Por fim, a tríplice fronteira ainda faz parte de seus projetos de pesquisa? O que vem investigando atualmente? 
Ainda mantenho acompanhamento sobre a temática, mas, com a chegada de Barack Obama à Casa Branca, as retóricas de acusação direta diminuíram sensivelmente. Creio que, finalmente, o governo norte-americano entendeu que temas sensíveis como esse são mais adequadamente tratados de maneira reservada. Estardalhaços tendem a gerar mal-estar diplomático entre os países envolvidos, sobretudo por parte dos acusados, e, obviamente, isso mina a disposição em cooperar. Atualmente, continuo o mapeamento dos discursos que buscam associar a Tríplice Fronteira a essa imagem do terrorismo internacional, pois pretendo atualizar o livro quando findar o governo Obama. O recorte temporal da primeira edição abarcar o intervalo de tempo entre 1992 e 2008, ano em que o governo Bush filho deixa a Casa Branca. Além desse acompanhamento da Tríplice Fronteira, pesquiso temas relacionados ao terrorismo internacional de forma ampla, tendo organizado recentemente livro com diversos autores e autoridades de Brasil e Estados Unidos sobre o assunto: “Terrorismo e Relações Internacionais: perspectivas e desafios para o século XXI” (Ed. PUC-Rio / Ed. Loyola, 2010).

CV resumido: Professor de Relações Internacionais da PUC-Rio e autor de “A Tríplice Fronteira e a Guerra ao Terror” (Apicuri, 2010). Maiores detalhes: 
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4718391Y5



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